Com petróleo e sem sabão, Venezuela tem gasolina quase gratuita
Afundada em uma crise financeira e de abastecimento, a Venezuela está oferecendo gasolina de alta qualidade praticamente de graça a seus cidadãos na tentativa de conter as tensões sociais.
Sem reajustes há mais de um ano —período em que a inflação superou 750%—, o litro da gasolina serve como um retrato paradoxal do colapso do país.
Frentista enche o tanque de um carro em Caracas; com US$ 0,01 pode-se comprar 160 litros de gasolina
Com o equivalente a US$ 0,01, é possível comprar mais do que um barril do combustível (159 litros) em sua versão mais barata, a que contém chumbo. Com o valor pago por um cafezinho, um venezuelano pode levar para casa cerca de 3.000 litros do combustível, o suficiente para encher o tanque de um carro de porte médio 60 vezes.
Mesmo na versão mais cara (sem chumbo), uma xícara de café é o suficiente para comprar um pouco mais que três barris de gasolina. Até para os padrões venezuelanos, a gasolina nunca teve preços tão baixos.
"A inflação é tamanha, e os preços [do combustível] não sobem. Logo não teremos mais como pagar pela gasolina com dinheiro, apenas com cartão", diz o taxista Alfredo Gutierrez, que gasta o equivalente a US$ 0,10 por mês para rodar com seu carro abastecido com a versão premium (sem chumbo).
O desequilíbrio nos preços é de tal grandeza que qualquer comparação com valores pagos por itens de consumo simples ganham contornos surreais.
Com a crescente escassez de produtos de higiene pessoal, um pacote de fraldas de uma marca chinesa pouco conhecida com 47 unidades custa o mesmo que encher quatro caminhões tanque de 50 mil litros com a versão mais barata do combustível.
LIMPEZA
O salário mínimo da Venezuela é de cerca de 100 mil bolívares, aos quais são acrescidos outros 130 mil bolívares em uma espécie de tíquete alimentação. Pelo câmbio negro desta quinta (24), isso significava pouco menos do que US$ 15 (R$ 50).
Mesmo assim, a gasolina ainda é extremamente barata para os venezuelanos, ainda que a maior parte da população receba o salário mínimo. "Foi a única coisa que nos sobrou", diz o mecânico Luiz Ramírez, enquanto retirava a graxa das mãos em uma bacia cheia de gasolina.
O mecânico Luiz Ramirez, 31, lava mãos com gasolina pura para retirar a graxa em oficina de Caracas
Nas oficinas mecânicas venezuelanas, a gasolina é usada para diversos fins: além de substituir sabonetes e cremes para limpeza dos funcionários, serve para lavar peças de automóveis ou diluir tinta.
"Um sabonete chinês pequeno, que nada lava, custa quase 3.000 bolívares quando você o encontra. Com esse dinheiro, compramos gasolina para toda a vida aqui", diz Ángel Castellano, chefe de uma oficina que diz usar cerca de 100 litros do combustível por mês para limpeza de seus funcionários, das peças e dos motores.
Dona das maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Venezuela sempre viveu em uma montanha russa financeira por nunca ter diversificado sua economia, mesmo antes de Hugo Chávez (1954-2013) assumir o poder, em 1999.
"Crescemos ouvindo que somos ricos em petróleo, essa cultura da gasolina barata está entranhada, mas nunca chegamos ao estágio em que estamos agora, em que ela é virtualmente gratuita", diz o economista Efrain Velázquez, presidente do Conselho Nacional de Economia da Venezuela. "Ainda assim, se os preços aumentarem, as pessoas vão protestar".
Símbolo da pujança econômica venezuelana no passado, a gasolina representa também um dos maiores traumas de sua história recente.
Em 1989, Carlos Andrés Pérez assumiu a Presidência pela segunda vez com a promessa de salvar o país da crise. Sua primeira medida foi dobrar o preço da gasolina para reduzir os subsídios e equilibrar as contas públicas.
O povo reagiu com uma onda de saques. Pérez colocou o Exército nas ruas, e mais de 300 pessoas foram mortas pelas forças de segurança em menos de uma semana.
O episódio, que ficou conhecido como Caracazo, marca o início do processo que fez com que Chávez, dez anos depois, impusesse a primeira derrota nacional às oligarquias que dominaram o país no século 20.
"O governo não quer mexer com a gasolina, teme que ela seja o estopim para o fim do seu ciclo como foi para seus opositores", diz o economista José Toro Hardy, ex-diretor da PDVSA, a estatal de petróleo venezuelana.
"No fim, quem perde somos nós. Só no ano passado a PDVSA usou quase 30% de sua produção e gastou cerca de US$ 5,5 bilhões para dar gasolina quase de graça aos venezuelanos", afirma. "Isso não faz sentido quando não temos moeda forte para importar remédios ou comida".
Os postos de gasolina são um dos raros pontos de venda de itens de consumo a preços regulados pelo governo na Venezuela em que não há filas e a oferta é vasta.
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