Emicida sobre Amarelo, da Netflix: “Nosso país nasceu de gente que sonha”
Documentário sobre a cultura brasileira e o show do cantor no Municipal de São Paulo estreia, nesta terça (8/12), no streaming
“Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que arremessou hoje”. É com esse ditado Iorubá que Emicida abre (e fecha, se me perdoam o spoiler) Amarelo – É Tudo Para Ontem, braço visual do disco do rapper, que chega à Netflix nesta terça-feira (8/12).
A produção se divide entre os registros do show de Emicida no Theatro Municipal e uma reinterpretação da cultura brasileira, suas origens, suas mudanças até a construção do movimento hip-hop no pais. Em 1h45, o cantor traçar paralelos entre o Movimento Modernista de 1922, o samba e a diáspora africana.
“Cada vez que a gente vai contar uma história para o mundo, precisamos estar abertos para a esperança. Se em momentos de estabilidade é assim, em momentos, como o atual, no qual vivemos, é obrigatório. Nosso país nasceu de gente que sonha e, no documentário, mostro pessoas que sonharam e construíram”, analisa Emicida, em entrevista ao Metrópoles.
Ao longo do documentário, Emicida narra a história de personalidades negras que construíram aquilo que se chama de “cultura brasileira”. Pessoas invisibilizadas que, na maioria das vezes, não fazem parte da história oficial do Brasil.
“O filme fala sobre cultura brasileira e é importante que a gente termine se perguntando por que elas foram invisibilizadas. Se elas participassem da história oficial deste pais, nossa concepção sobre o Brasil seria completamente diferente. Não iríamos estranhar uma pessoa preta em ascensão. Mas como o ditado diz: ‘é sempre tempo de corrigir isso'”, afirma Emicida.
Música
Ao longo do filme, Emicida conecta o samba, o hip-hop e o modernismo à formação da cultura brasileira. “O movimento de 1922 tinha como mensagem principal fazer com o que o Brasil tivesse a si mesmo como referência na arte. O samba fez isso porque já era enaltecido na vanguarda europeia”, analisa Emicida.
Em seguida, o rapper mostra como isso se aplica à cultura hip-hop. “O rap recebeu esse nome nos Estados Unidos, mas é fruto direto da diáspora africana”, completa.
E assim, ao longo do filme, o cantor construí uma narrativa que une todas essas ideias, além de apresentar grandes personalidades nacionais. Tudo isso, coroado com os bastidores da produção de Amarelo e do show no Theatro Municipal.
“O que acho mais especial em Amarelo é que não só a gente está sugerindo a necessidade de se conectar com toda a grandiosidade que veio antes, como estamos, pelo lado da indústria, fazendo com que ela reconheça a importância de se contar uma história novamente”, analisa o músico.
Violência
Amarelo, mesmo com sua mensagem de esperança, entra em cartaz após mais um crime violento contra pessoas negras. Menos de um mês depois do assassinato de João Alberto no Carrefour, Emily e Rebeca, duas crianças pretas, morreram vítimas de bala perdida na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
Mesmo sem tocar diretamente no tema, Emicida fala sobre o racismo. Trançando os paralelos entre presente e passado, o cantor reforça que a miscigenação brasileira, mesmo construída sobre a violência, é um fato, mas que a liberdade de pessoas negras ainda não existe no Brasil.
“Enquanto as pessoas pretas não puderem circular livremente não tem miscigenação no Brasil. O fato vira uma meia-verdade”, opina.