Senado aprova projeto que modifica a lei dos crimes de abuso de autoridade
O plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (26) o projeto que modifica a lei dos crimes de abuso de autoridade, após o relator Roberto Requião (PMDB-PR) recuar e retirar do texto pontos que poderiam intimidar juízes e investigadores, segundo críticas de setores do Judiciário.
O projeto prevê punições a todos os agentes públicos, o que inclui desde servidores de prefeituras, concursados ou terceirizados a integrantes do Ministério Público, juízes, deputados e senadores. Entre os 74 senadores que estavam no plenário, 54 votaram pela aprovação do texto, e 19 contra. O projeto agora segue para tramitação na Câmara dos Deputados.
No início da ordem do dia do plenário do Senado, o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), colocou na pauta o requerimento para regime de urgência para a votação do projeto, que foi aprovado sem manifestação contrária.
Mais cedo, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) aprovou, por unanimidade, o texto.
Nas palavras do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), o projeto aprovado na CCJ foi fruto de um grande acordo entre diferentes matizes da casa. "Estou com os olhos vermelhos até agora por ter ficado acordado até as 3h da manhã falando com várias lideranças", declarou o senador.
Durante as discussões no plenário, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) se manifestou "enfaticamente contrariamente" ao projeto. "É um equívoco aprovarmos esse projeto nesse momento. Ele contém falhas e está cheio de subjetividades. Um dos artigos fala em 'prazo razoável'. O que é razoável? É duas horas, dois dias, dois anos?", questionou.
Segundo Buarque, as mudanças adotadas por Requião apenas "despioraram" o projeto. "Nós vamos inviabilizar o trabalho contra a corrupção [...] Está claro que isso tem a ver com a [operação] Lava Jato", disse. O senador pediu ainda que os colegas não cometessem "o abuso de autoridade" de votar a favor do PLS 85/2017, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Depois de lembrar que já havia se manifestado anteriormente que não votaria a favor do projeto "da forma como estava", o senador Cidinho Santos (PR-MT) afirmou que, "após o acordo efetuado", com certeza daria o seu apoio.
"Porque nós estamos, ao mesmo tempo em que acabamos com o fim do foro privilegiado para todos os brasileiros, ficam todos iguais perante a lei, mas também acabamos com o abuso de autoridade para penalizar aquelas pessoas que usarem do seu cargo, seja de vereador, prefeito, governador, presidente da República, de policial, de juiz, de promotor, de delegado ou de ministro do STF", declarou.
O senador Jorge Viana (PT-AC), por sua vez, citou uma série em exibição na TV Globo para argumentar que a legislação vigente sobre o abuso de autoridade é da época da ditadura. "Os tempos eram assim, mas com a aprovação dessa lei, não serão mais assim", disse o petista.
Ele ainda elogiou a "ação suprapartidária" que levou ao texto aprovado na CCJ nesta terça. "Não temos uma ótima de abuso de autoridade, mas temos uma boa lei, que vai evitar abusos", acrescentou.
Para Requião, o projeto representa um dos maiores avanços na legislação brasileira nas últimas décadas e uma vitória do "garantismo". "Hoje eu sinto no plenário um clima de Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade", declarou o senador, que recomentou a rejeição de todas as emendas apresentadas no plenário e pediu aos colegas a aprovação do projeto tal como aprovado na CCJ.
Mudanças no texto do relator
Requião acatou uma das principais críticas feitas pelo meio jurídico, e por senadores, ao projeto e retirou o termo "razoável" no artigo que trata da definição do abuso de autoridade.
A preocupação da PGR (Procuradoria-Geral da República), e de entidades de classe de juízes, era de que autoridades, como promotores e magistrados, pudessem ser punidos por causa de sua atuação em processos, a partir de queixas apresentadas com base na sua interpretação da lei.
O texto de Requião previa que "a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade".
O termo "razoável" foi considerado vago pela PGR, que apresentou um anteprojeto ao Senado sem o uso do termo nesse ponto do projeto. A preocupação era a de que, a partir do texto original de Requião, um juiz de primeira instância pudesse ser punido por uma ordem de prisão posteriormente revogada por um tribunal.
Requião decidiu acatar a sugestão, apresentada por emenda do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), e esse trecho passou a ter a seguinte redação: "A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade".
Requião ainda inseriu no texto outro dispositivo que também dificulta a punição pela interpretação da lei.
O projeto traz a exigência de que fique comprovada a intenção da autoridade de "prejudicar outrem, beneficiar a si próprio ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal" para que fique caracterizado o crime de abuso.
Para a PGR, a exigência de que fique comprovado que houve a intenção da autoridade de praticar o ato com alguma forma de abuso de suas funções é uma garantia que torna mais difícil a punição apenas com base em divergências na interpretação da lei.
Requião acatou as críticas da PGR para retirar do texto a possibilidade de que as vítimas movessem ações privadas na Justiça contra as autoridades que supostamente teriam cometido o abuso.
A avaliação da PGR, com a qual Requião disse concordar, é de que essa permissão abriria uma brecha para a multiplicação de ações contra membros do poder público, tanto no Judiciário quanto no Executivo, o que, na prática, poderia prejudicar o funcionamento da Justiça devido ao excesso de processos.
"Poderia acarretar a propositura de demandas infundadas", disse Requião, que afirmou ter conversado sobre a alteração desse ponto com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A PGR também afirmava que a permissão da ação privada poderia servir como forma de intimidação aos órgãos de investigação.
No novo texto, a ação privada é permitida, mas segue as regras atuais do Código de Processo Penal, ou seja, só é possível à vítima processar a autoridade por abuso de forma autônoma, caso o Ministério Público demore a se manifestar no caso.
Além da PGR, várias celebridades, como o ator Thiago Lacerda, publicaram vídeos nas redes sociais contra o projeto.