Falta de perícia em computadores e outras 4 dúvidas do caso Marielle
As questões em aberto depois da divulgação dos áudios da portaria do condomínio
A divulgação dos áudios da portaria do condomínio onde se encontraram os acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes – e onde o presidente Jair Bolsonaro tem duas casas – deixou algumas questões sem resposta.
É essencial formulá-las e respondê-las para que o desfecho do caso afaste definitivamente qualquer possibilidade de envolvimento de alguém na casa de Bolsonaro na cronologia do crime. O envolvimento direto do próprio Bolsonaro já estava afastado pela reportagem do Jornal Nacional que revelou o caso na última terça-feira, que trazia várias evidências de que ele estava em Brasília (como imagens e a lista de presença na Câmara dos Deputados).
De acordo com o Ministério Público, os áudios demonstram que o porteiro do condomínio falou pelo interfone com o acusado Ronnie Lessa – suspeito de ter atirado em Marielle e Anderson – para autorizar a entrada do outro acusado, Élcio Queiroz. Persistem as seguintes dúvidas:
Por que o porteiro mentiu ao afirmar que a entrada foi autorizada por alguém na casa de Bolsonaro, que identificou como “seu Jair”, não por Ronnie? O que motivaria alguém a envolver o nome do presidente da República numa investigação de tamanha gravidade?
Por que a perícia nos áudios só foi solicitada depois da reportagem, se estavam em poder da procuradoria desde pelo menos o último dia 7 de outubro, entregues pelo síndico três dias depois do depoimento do porteiro e dois dias depois de uma operação de busca e apreensão no condomínio?
Por que o Ministério Público não solicitou perícia nos computadores onde os áudios foram originalmente registrados, para afastar a possibilidade de que arquivos tenham sido apagados ou de que os nomes que identificam as ligações pelo interfone – associados aos números das casas – tenham sido adulterados?
Além dos áudios, a planilha de controle da portaria no dia do crime tem uma anotação, atribuída ao porteiro, de que Élcio foi autorizado a entrar na casa de número 58, de Jair Bolsonaro, não na de Ronnie, de número 65/66. Uma imagem de janeiro, obtida no celular de Élcio, demonstra que a anotação é anterior ao depoimento do porteiro. Sobre a planilha de entrada, ainda é necessário esclarecer:
Por que o porteiro fez tal anotação em 14 de março de 2018, dia do crime, quando os áudios, como afimou o Ministério Público, demonstram que ele falou com Ronnie, não com aquele que chamou de “seu Jair”?
Por que a mulher de Ronnie decidiu fotografar a planilha com as anotações na entrada do condomínio e enviar a imagem ao marido em janeiro, quando ele começou a ser interrrogado pela polícia?
É possível que os acusados tenham tentado, com a ajuda do porteiro, criar uma armadilha para incriminar Bolsonaro. Mas também é possível que alguém tenha alterado as provas para livrá-lo de qualquer envolvimento. Embora a primeira versão pareça mais verossímil, ainda falta comprová-la. Ambas são compatíveis com os fatos apresentados até o momento.
Cabe ao Ministério Público e à Procuradoria-Geral da República garantir que todas as perguntas acima sejam respondidas. É do próprio interesse de Bolsonaro que façam isso, pois só assim será possível afastar qualquer tipo de suspeita que ainda paire sobre alguém que estivesse em sua casa no dia da tragédia.