Veja as técnicas mais comuns para ajudar pacientes com Covid-19
Deixar o paciente de bruços e usar medicamentos anticoagulantes são técnicas usadas nas UTIs
Mais de 100 dias depois do 1º caso de Covid-19 no Brasil, o que aprendemos sobre como combater o novo coronavírus (Sars-CoV-2)?
Na terça (16), pesquisadores da Universidade de Oxford anunciaram que um corticoide de baixo custo e uso amplo teve eficácia em casos severos de Covid-19. Russos e americanos também já aprovaram antivirais de emergência contra a infecção.
Além de tratamentos definitivos, cientistas e equipes de saúde também têm buscado e adotado outras técnicas para ajudar pacientes com a Covid-19. Nesta reportagem, você entenderá como funcionam algumas delas:
- Intubação
- Pronação (deitar o paciente de bruços)
- Oxigenação não invasiva
- Anticoagulantes
- Diálise
- ECMO
1) Intubação
"Intubar" o paciente, ou colocá-lo em ventilação mecânica, significa que fazer com que uma máquina respire por ele para oxigenar melhor os pulmões. É colocado um tubo na boca do paciente que desce pela traqueia (espécie de canal) até antes de uma "bifurcação". Ali, a traqueia se divide em dois caminhos, os brônquios: um vai para o pulmão direito e o outro, para o pulmão esquerdo.
"O ventilador mecânico joga oxigênio para dentro do pulmão através do tubo. O oxigênio passa pelos brônquios, que são os "canos," que vão se dividindo cada vez mais, como se fossem os galhos de uma árvore, até chegar lá no finalzinho, onde ficam os alvéolos", explica André Nathan, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
"Esse oxigênio vai entrar no sangue e o gás carbônico sair. É isso o que você faz em toda a respiração: leva o oxigênio por todos os brônquios até os alvéolos e joga para dentro do sangue. Quando você assopra, pega o gás carbônico que o sangue jogou para dentro do alvéolo e elimina", diz.
Na ventilação mecânica, o paciente costuma ficar sedado, porque o tubo é desconfortável. A pessoa também perde os mecanismos de defesa da respiração, como os reflexos do nariz e as estratégias de defesa pulmonar, afirma o médico. Além disso, em casos graves de insuficiência respiratória, como os causados pela Covid-19, é necessário que o paciente seja paralisado além de sedado.
"Sedado é o paciente dormindo; paralisado é quando você faz com que todas as terminações neuromusculares do paciente parem de funcionar, e ele fica totalmente mole. Em casos avançados de insuficiência respiratória, você precisa que o paciente fique paralisado, à mercê do ventilador", esclarece o pneumologista.
É um procedimento que traz riscos, explica Jaques Sztajnbok, chefe da UTI do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo.
"A ventilação mecânica não é fisiológica – é, por si só, uma causa de lesão pulmonar", afirma.
Por isso, há formas de calibrar os ventiladores mecânicos de forma a torná-los menos lesivos para o corpo (que já eram conhecidas antes da Covid-19). Uma delas é, por exemplo, diminuir a quantidade de ar que entra nos pulmões a cada ciclo.
"Quando a gente controla o volume de ar que entra em cada ciclo do aparelho, de 5 a 6 mL/kg, é um volume mais protetor. Se ventilar com um volume maior do que 8 [mL], tem uma possibilidade de lesão pulmonar", explica Sztajnbok.
No início da pandemia, explica a infectologista Ho Yeh Li, chefe da UTI de doenças infecciosas do Hospital das Clínicas (HC) da USP, havia orientação na comunidade médica para que os pacientes com Covid-19 fossem intubados o mais cedo possível, mesmo com os riscos do procedimento.
"Essa recomendação era pelo medo de contágio dos profissionais de saúde", explica. (Isso porque, com métodos de oxigenação não invasiva, havia o temor de geração de aerossóis, pequenas gotículas de saliva do paciente infectado). Depois, a orientação passou a não valer mais, afirma Ho, e métodos seguros de ventilação não invasiva são utilizados (veja mais abaixo).
2) Deitar o paciente de bruços (pronação)
A técnica é uma das formas de tentar evitar a intubação – já era usada em outras doenças respiratórias para melhorar a oxigenação dos pulmões, explica Jaques Sztajnbok. Ela funciona porque o pulmão não é igual na parte "de trás" (posterior) e na parte "da frente" (anterior).
"É como se fosse uma estrutura de um cone. A base fica nas costas, o ápice fica anterior. Na posição normal, com as costas para baixo, todo o peso do coração acabam esmagando toda a estrutura. E a parte que se submete ao maior peso é a que fica por baixo, que tem a maior parte dos alvéolos, a maior parte da estrutura funcional do pulmão", esclarece Sztajnbok.
"Essa é uma das teorias. A outra é a redistribuição do fluxo sanguíneo", afirma Sztajnbok. "Quando você muda a forma como está deitado, redireciona o fluxo sanguíneo e acaba perfundindo áreas que são melhor oxigenadas no pulmão".
Quando o paciente é virado de bruços, o pulmão se "abre", o que ajuda a oxigenação, explica a infectologista Ho Yeh Li, do HC da USP. Nas décadas de 80 e 90, quando a estratégia começou a ser usada, era aplicada como último recurso, depois da ventilação mecânica, explica Ho, e várias vezes não funcionava.
Depois, um estudo mostrou os benefícios da técnica já na fase inicial de lesões pulmonares, inclusive em pacientes com H1N1. "Se fizer tardiamente, a chance de responder é menor, porque o pulmão já está sequelado", afirma Ho.
No HC, os médicos agora pedem que os pacientes que precisam de suporte de oxigênio deitem de bruços enquanto estão acordados, para tentar evitar uma intubação desnecessária. Mas Ho alerta: "não pode adiar demais, porque senão a intubação vira um procedimento de risco. Colocou de bruços. Não respondeu? Intuba".
Em maio, Sztajnbok e parte da equipe do Emílio Ribas publicaram um artigo com dois relatos de pacientes com Covid-19 que, depois de serem colocados de bruços, não precisaram ser intubados.
O médico alerta, entretanto, que virar o paciente precisa ser feito com cuidado, por causa dos instrumentos que estão ligados a ele, como sondas e catéteres. Às vezes, são necessárias 5 pessoas para a manobra, e, se o paciente tiver obesidade – grupo de risco para a Covid-19 – uma equipe maior pode ser necessária.
3) Oxigenação não invasiva
A oxigenação não invasiva também pode ser uma forma de evitar a intubação. Há várias formas, incluindo o uso de máscaras, capacetes e catéteres de alto fluxo – que vão mais "para dentro" do nariz que os catéteres normais e lançam menos aerossóis.
"O catéter de alto fluxo tem se mostrado muito útil para ajudar esses pacientes. É super seguro. É um pouco mais gosso que o catéter habitual e causa uma pressãozinha que ajuda a lavar o gás carbônico e oxigenar os pulmões", explica Elnara Negri, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês.
"Na ventilação não invasiva, se colocar um filtro na saída onde o paciente expira, diminui essa transmissibilidade [do vírus]. Se o paciente vai para a não invasiva e se adapta bem, não existe razão para intubá-lo precocemente", avalia Negri.
As ferramentas ajudam porque há maior concentração de oxigênio no ar que o paciente respira, diz Sztajnbok.
"A proporção de oxigênio no ar inspirado é maior. A fração de oxigênio no ar ambiente que a gente respira, de todos os gases, normalmente é de 21%. Se eu começo a injetar oxigênio [na máscara, por exemplo], ele começa a subir para 40%, 60%, eventualmente oxigênio puro, 100%, eu aumento a oferta de oxigênio para o organismo", afirma.
4) Anticoagulantes
A infecção pelo vírus deixa os alvéolos – as "folhas" das "árvores" dos pulmões – em carne viva. Como resposta, o corpo começa a fabricar vários coágulos para se defender – e esse processo começa nos pulmões, afirma Negri.
A médica defende que, na verdade, os problemas respiratórios começam depois da formação desses coágulos nos pulmões. Por isso, os pacientes internados usam medicamentos anticoagulantes de forma preventiva. Isso pode, inclusive, evitar que sejam colocados em ventilação mecânica, diz.
"Mas as pessoas NÃO podem tomar anticoagulante por conta própria", alerta a médica. É para uma minoria dos pacientes que evoluem para coagulação", diz.
Em vez disso, o que a médica recomenda é beber água. "Isso vale para todos os pacientes de Covid-19: manter sempre uma boa hidratação. Com isso, a chance dos hipertrombos diminui", diz.
Por causa da chance de formação dos coágulos, Negri recomenda que, mesmo sem a falta de ar, se os outros sintomas da doença – febre, aperto no peito, dor no corpo forte – continuarem depois do sexto ou sétimo dia, a pessoa deve procurar o hospital.
5) Diálise
Os especialistas também destacaram o fato de que pacientes graves de Covid-19, com frequência, têm necessitado de diálise, por causa do dano causado aos rins. No processo, o sangue da pessoa é filtrado e tem as toxinas removidas por uma máquina, e não pelos órgãos.
O dano renal ocorre, explica Ho Yeh Li, da UTI de doenças infecciosas do HC-USP, porque os problemas que o vírus causa nos vasos ocorrem no corpo inteiro, inclusive nesses órgãos.
"Em pacientes graves, dos casos de UTI, quase um terço vão para diálise. Têm precisado muito", afirma a médica.
Ho diz que a grande maioria dos pacientes recupera a função dos rins de forma parcial ou total, mas ainda não há como saber se os quadros vão evoluir para uma necessidade de transplante. "Só se define como insuficiência renal crônica depois de 3 a 6 meses de evolução – ainda não temos pacientes", lembra.
6) ECMO
A sigla ECMO (em inglês: extracorporeal membrane oxygenation) significa oxigenação por membrana extracorpórea. Na técnica, todo o sangue do paciente sai do corpo, passa por uma membrana de oxigenação, como um pulmão artificial, e devolve o sangue oxigenado para o corpo da pessoa.
Ho Yeh Li explica que a oxigenação desse tipo é usada em casos em que a ventilação mecânica não funcionou, mas ainda há chances de recuperar o pulmão.
Apesar de possível em casos de Covid-19, ela esclarece que a ferramenta não tem tido sucesso em tratar a doença. No HC, a equipe tem sido muito mais criteriosa na indicação da ECMO, diz Ho. Até agora, nos poucos casos em que foi usada para pacientes com o novo coronavírus, não funcionou.
Para colocar uma pessoa na máquina, é preciso dar anticoagulantes em dose alta o suficiente para evitar a coagulação do sangue dentro do instrumento. "Mas, com a dose de anticoagulantes, a pessoa sangra em outros órgãos, principalmente no cérebro", diz.
"A ECMO foi uma estratégia que mostrou muito sucesso na pandemia de H1N1, em torno de 70, 80% em alguns centros. Mas existe uma diferença muito grande para a Covid-19. No H1N1, grande parte das pessoas se recuperou em um tempo relativamente curto. O vírus da Covid é muito mais lento: nos pacientes graves, pode ficar muitos dias causando a lesão. Na Covid, o sucesso em experimentos internacionais [com a ECMO] tem sido abaixo de 20, 30%", explica.