Economia

Café barateou por causa do tarifaço? Veja o que dizem especialistas

Mudança tem relação com melhora na previsão das safras, aumento nos preços no longo prazo e comportamento de fundos

Por CNN 15/08/2025 10h10
Café barateou por causa do tarifaço? Veja o que dizem especialistas
Sobre as tarifas de 50% aos Estados Unidos, os especialistas divergem acerca do impacto - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Pela primeira vez em um ano e meio, os preços do café moído registraram queda no Brasil. Segundo dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), divulgados na terça-feira (12), o valor caiu mais de 1% em julho.

O respiro é bem-vindo. Isso porque, no ano, o produto registra uma alta de 41,46%. Em 12 meses, a porcentagem é ainda mais significativa: 70,51%.

Levando em conta as mercadorias registradas pelo índice do IBGE, o preço do grão é, de longe, o que mais subiu no período.

Se a notícia é boa para adictos de cafeína Brasil afora, do outro lado, a história é outra. A queda no IPCA acontece em um momento delicado para a indústria, que ficou de fora da lista de isenções à tarifa de 50% anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no começo de agosto.

Questionados pela CNN sobre uma possível correlação dos fatos, especialistas foram unânimes: as tarifas não impactaram o dado do IBGE — ainda.

Melhora de safra

Primeiro: os dados são de julho, e o tarifaço entrou em vigor no dia 6 agosto.

Pavel Cardoso, presidente da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), também explica que já existia uma expectativa de melhora nas safras brasileiras de café tipo arábica e robusta no 1º trimestre.

Safras mais produtivas — leia-se: maior quantidade de café por porção de terra disponível — geraram uma queda no preço ao produtor a partir de abril. Mas, para que esse impacto saia do campo e chegue às xícaras brasileiras, "é preciso colher o café, secar, beneficiar, torrar, embalar e transportar às prateleiras.

O processo, via de regra, demora em torno de três a quarto meses. Por isso vemos uma queda agora", complementa Matheus Dias, economista do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia).

Além disso, diversos fundos não-comerciais (os mesmos que tracionaram esse mercado no ano passado, levando às porcentagens exorbitantes citadas no início deste texto) saíram do mercado, espantados com a previsão positiva.

Felippe Serigati, coordenador do Mestrado Profissional em Agronegócio do FGV Agro, explica: sempre há um lado financeiro que impacta diretamente a cotação de preço.

"Os fundos apostam a favor ou contra a commodity. Quando ele acredita que o preço vai subir, monta posição. Quando entende que vai cair, desmonta. Como isso contribui para a formação de preço, a entrada do fundo eleva os valores, a saída ajuda a cair", diz.

Os fundos, que haviam apostado na alta do preço, repensaram estratégia.

Dias também atribui a queda, naturalmente, ao nível de preços atual. Com o preço tão elevado, há uma retração na demanda. É aquilo: quando a busca um produto diminui e a oferta permanece a mesma, o preço tende a cair.

"Enxergo que estes são os principais componentes para o dado do IPCA", adiciona.

No futuro, quem sabe?

Sobre as tarifas de 50% aos Estados Unidos, os especialistas divergem acerca do impacto. Cardoso, da Abic, ainda está esperançoso com uma renegociação das tarifas, incluindo o café aos 694 produtos cujas exportações à terra do Tio Sam foram taxadas em apenas 10%.

Na hipótese de manutenção, ele acredita que haverá uma desestabilização em toda cadeia de suprimentos mundial.

A linha de raciocínio do especialista é a seguinte: a indústria americana deve tentar acessar o mercado do Vietnã, que já tem destinos devidamente formados. Isso causará um desarranjo nos contratos já firmados. Somado a isso, os países da América Central, como a Colômbia, por exemplo, já exporta grandes volumes aos EUA.

"Na nossa avaliação, isso vai aumentar os preços no longo prazo, ou trazer maior volatilidade. Não o contrário", argumenta.

"Somado a isso, vivemos um ambiente em que os estoques, tanto nos países produtores quanto consumidores são historicamente baixos. Apesar das previsões positivas, avaliamos que a safra de 2025 será inequivocamente menor do que 2024", complementa.

Matheus Dias, por sua vez, traz outro fator relevante: a China. O consumo de café no país disparou nos últimos 10 anos, e o Brasil vem assumindo papel de exportador para lá.

Contudo, a compensação do mercado norte-americano é improvável: enquanto, em 2024, os EUA recebeu 8 milhões de sacas daqui, a China comprou menos de 1 milhão.

"O país não vai suprir, mas talvez consiga absorver parte da demanda. Ou, ainda, fazer a triangulação: comprar o café em grão, industrializar, colocar um selo chinês e revender aos EUA", diz o especialista do Ibre.

"Isso escoaria a produção e não geraria uma sobre oferta aqui".

Enquanto o cenário não se concretiza, a depender do avanço das safras, Peçanha entende que o preço poderá, sim, ser impactado no Brasil: para baixo. Mas é tudo especulativo.

"Depende do clima, da qualidade da terra, de pragas", explica.

Fatores naturais, portanto. Algo que nenhum produtor, consumidor ou fundo controla.

Serigati acredita que a queda no preço deve, sim, continuar. Mas finaliza com uma comparação: em maio deste ano, as granjas do sul do país foram impactadas por um surto de gripe aviária, que levou a morte de milhares de aves e bloqueou as exportações brasileiras do produto para mais de 20 destinos.

"O embargo foi enorme, muito maior que o tarifaço. Mas alguém chegou a ver o preço do frango mais barato? Se alguém viu, avise o IBGE, pois ele não captou", brinca.

Na linha do especialista, o impacto para cima ou para baixo deve fazer pouca diferença para o bolso do consumidor. A ver.