Chico, tu corres para onde?
Caetano Veloso, compondo sobre o Rio São Francisco, canta: Dorme o sol à flor do “Chico” meio-dia/ Tudo esbarra embriagado de seu lume.
Desde seu passado cheio de fartura – onde em suas águas circulavam grandes vapores, rasgando a correnteza, transportando mercadorias e pessoas – até os dias atuais, o Velho Chico tem o talento de embriagar o olhar.
Mas Américo Vespúcio, primeiro navegador a conhecê-lo num outubro distante, jamais iria supor que, um dia, o manancial que parecia inesgotável receberia a sentença de morte pela mão do homem: justamente quem mais dele precisa.
Com seu leito minguando, o rio tem sido sugado, aterrado e, também, poluído. Gigante em suas margens, a força que suportava navios já não consegue se entender, nem com pequenas embarcações.
São 516 anos de história completados em 2017. E como um “presente de grego”, o rio batizado de Integração Nacional chegou ao seu mais baixo volume.
Os números desse declínio progressivo e constante vieram à tona através de um estudo inédito, realizado pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e pela Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), publicados no ano passado pelo jornal O Estado de Minas.
A pesquisa mostrou dados assustadores, traduzindo em números o que muita gente já tinha percebido: 23 milhões de toneladas de sedimentos são descartados no rio, desde a nascente na Serra da Canastra, em Minas, à foz no Oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe. É como se a cada ano um milhão de carretas de lixo fossem lançadas na água.
O Velho Chico passa por um processo de soterramento e tem como uma das principais causas a ação humana, como o desmatamento, por exemplo, que desencadeia uma série de outras consequências.
"A taxa de erosão de cada uma das fontes de orçamento sedimentar tem sido impactada pelas modificações humanas da paisagem, que levaram a um aumento geral na produção de sedimentos”, diz um dos trechos do estudo que considerou dados relativos a tipos de solo, uso e ocupação de terrenos, topografia, clima (volume de chuva, temperatura, umidade relativa, radiação solar e vento) e vazão dos rios da bacia.
Pesquisadores e técnicos que fizeram a pesquisa propõem intervenções para conter o assoreamento e aumentar o volume do leito, visando também a garantir condições de navegação.
Em termos ambientais, herdamos a possibilidade de viver um futuro incerto, com rios secos e a água potável cada vez mais difícil e cara.
Comunidades indígenas e ribeirinhas que dependem do rio, como os índios Kariri-xocó, de Porto Real do Colégio (AL), sofrem intensamente o problema da poluição. Há, inclusive, uma mobilização com duzentos índios marcada para janeiro desse ano. O objetivo é cobrar da Codevasf, em Penedo, o cumprimento de acordo firmado no qual a companhia faria a cessão de uma máquina retroescavadeira para melhorar emergencialmente as condições de potabilidade da água que está sendo precariamente captada em desvio do Rio São Francisco, para atendimento de mais de 4.000 pessoas, cuja saúde já está sendo comprometida pela baixíssima qualidade da água captada.
Parece mesmo que Caetano sabia o que estava cantando, porque em outro trecho da música, ele diz: O ciúme lançou sua flecha preta/ E se viu ferido, justo, na garganta.
A humanidade, com ciúmes da grandeza do “Velho Chico”, lançou no rio seu ciúme em forma de poluição. E agora, ferida, aguarda sua sentença de morte.
Que assim seja!
Veja, abaixo, uma ilustração do estudo realizado:

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