Alunos do IFAL Piranhas produzem evento para falar sobre depressão e suicídio
“Precisamos falar sobre depressão”, diziam professores, pedagogo e profissionais da assistência estudantil, diante da realidade do campus Piranhas e das inúmeras queixas dos alunos quanto à ansiedade, tristeza, tentativas de suicídio e automutilação. No entanto, não eram só os profissionais do Ifal que reconheciam essa necessidade, os alunos também queriam saber mais, falar mais e fazer algo sobre isso. Foi, então, que alunos do 3° ano de Agroindústria, após realizarem um trabalho sobre o assunto para disciplina de Biologia, tiveram a iniciativa de realizar o evento “Vamos falar sobre depressão?” e fazer esse convite à comunidade escolar.
Eles tomaram a frente de tudo, passaram de sala em sala para fazer a divulgação, publicaram o convite em suas redes sociais, criaram a plataforma de inscrições, fizeram cartazes e ilustrações sobre o assunto, colocaram caixas de depoimentos no campus para que os alunos expusessem seu sofrimento sem precisar se identificar e ensaiaram peças e músicas para tornar o momento de palestras e discussões mais lúdico. Segundo os professores e profissionais de assistência estudantil envolvidos na organização, os alunos foram os grandes protagonistas do evento e, talvez, por isso a aderência e participação dos estudantes tenha sido tão grande. "Foi um momento feito por eles e para eles, em que os alunos sentiram abertura para desabafar, pedir ajuda e esclarecer suas dúvidas", afirma a enfermeira Jéssica Tenório.
O aluno do 3° ano de Agroindústria, Carlos Antônio Guimarães, conta que esse processo de organização e realização do evento foi transformador para ele. “Os palestrantes e os próprios depoimentos falaram que muitas pessoas acham que é “mimimi”, falta de Deus, frescura ou que a pessoa com depressão está querendo chamar atenção e eu mesmo já falei muito isso, erroneamente, com ignorância e falta de conhecimento, por não saber que isso é uma doença. Eu julgava e não me colocava no lugar do outro, quando eu vi os depoimentos, eu fiquei muito mais sensível e, de agora em diante, eu vou me sensibilizar, olhar com empatia para as pessoas e tentar ajudar no que eu puder”, afirma o aluno. Ele conta que sua turma sentiu que a escola precisava ser ouvida e que eles não tomaram esse evento como trabalho, mas como resposta ao um pedido de socorro, pois sentiram que os alunos precisavam da atenção deles e da sua empatia. “A gente terminou o evento sentindo que teve êxito no trabalho e que conseguiu passar a mensagem”, conclui Carlos.
Para a psicóloga e palestrante, Fernanda Ribas, este foi um momento muito terapêutico para os estudantes. Ela se disse surpresa com a participação do público e com a quantidade de relatos expostos diante de um auditório cheio. “A fala é muito terapêutica, foi uma experiência enriquecedora, pois eu vi muita empatia nesse espaço, muitos depoimentos de alunos que sofrem com o bullying, com a depressão e a ansiedade, depoimentos de professores que estavam ali se abrindo, dispostos a receber essas demandas, muitos colegas se colocando abertos para ajudar”, afirma Fernanda. A psicóloga explica que a depressão tem uma multicausalidade e que é preciso entender o contexto cultural e social que envolve as questões adoecedoras. “O contexto atual do Brasil, por exemplo, é de crise econômica e política, é de desemprego e precariedade na saúde, educação, saneamento; tudo isso pode ser instrumento de adoecimento e gatilhos para a manifestação da depressão no indivíduo”. Fernanda cita também as redes sociais como parte desse contexto que nos envolve e exerce influência sobre nossas relações e questões emocionais. Segundo ela, as redes sociais são uma ferramenta que estão no nosso cotidiano todos os dias e ao mesmo tempo em que aproxima, distancia as pessoas e estabelece muitos vínculos frágeis, enquanto os vínculos reais e pessoais ficam enfraquecidos.
Para o fisioterapeuta Ahyas Sidcley, que falou sobre diversidade sexual e depressão, embora a escola seja um lugar para transmissão de conhecimento e cuidado ao indivíduo, ela se revela também um ambiente adoecedor, onde muitas pessoas vivenciam situações de bullying, hostilidade e opressão. “Iniciativas como a de hoje, que encorajou tanta gente a se abrir, são incríveis, e é nessas horas que vemos a importância da humanização da educação”, afirma Ahyas. Tanto ele quanto Fernanda compartilharam sua experiência e história de vida com o público, Ahyas revelou sofrer de depressão e ser homossexual e Fernanda falou sobre sua ansiedade e transtorno obsessivo compulsivo. Para eles, foi importante se posicionar para que os alunos pudessem se ver neles e se sentir mais à vontade para falar.
Quem também deu seu depoimento, durante o momento de discussão, foi José Deuclecio Lima Costa, chefe de gabinete da Câmara Municipal de Piranhas. Ele conta que soube do evento através do instagram e se interessou por ter sofrido durante dois anos com depressão e síndrome do pânico. “O maior motivo que me trouxe aqui foi o educacional, queria ver como os alunos do Ifal se comportavam sobre o assunto e eu achei ótimo, boas palestras, boas interações, principalmente, nos depoimentos, onde muitos puderam se expressar e ajudar ao próximo.”, afirma. Deuclecio conta que queria ter tido acesso a discussões assim em sua época de escola e que se tivesse, sua geração estaria muito mais instruída sobre essas questões.