Bolsonaro e Witzel legalizam milícias na prática, diz Freixo Avatar
Deputado critica presidente da república
Líder em 2008 da CPI das Milícias do Rio, o deputado as vê mais perigosas do que nunca
Na véspera do primeiro da eleição de 2018, moradores de Rio das Pedras, favela na zona oeste carioca, receberam um aviso de milicianos: votem no 20 para governador, se não… Era o número do Wilson Witzel, eleito no segundo turno. Ele fez campanha unido ao então candidato ao Senado Flávio Bolsonaro, empregador, em seu gabinete de deputado estadual, da mãe e da esposa de um dos líderes da milícia de Rio das Pedras, o capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido desde março, quando sua quadrilha foi presa preventivamente e acusada por vários crimes.
Com Witzel no poder no Rio e o clã Bolsonaro em Brasília, as milícias têm sido legalizadas na prática. É a visão do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que em 2008 comandou, na Assembleia Legislativa fluminense, a CPI das Milícias.
O governador tem incentivado uma atitude policial de “bandido bom é bandido morto”, do jeito que a milícia gosta. Jair Bolsonaro tenta facilitar compra e posse de armas e até disse a caminhoneiros, em maio, que “se tiver arma de fogo, é para usar”, mais música para ouvidos milicianos.
Três meses antes da criação da CPI de Freixo, Bolsonaro, então deputado, defendeu legalizar as milícias. “O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las”, disse à BBC. Hoje, há “narcomilícias”, diz Freixo, a apontar que nada resta em favor do justiçamento, condenável por si, se os “mocinhos” agem feito bandidos.
Terá sido coincidência o presidente ter forçado, em 15 de agosto, a saída antecipada do chefe da Polícia Federal (PF) no Rio? Há quem jure que o delegado Ricardo Saadi estava de olho nas milícias e as investigava.
E será coincidência que em 14 de agosto Bolsonaro tenha atacado publicamente a Receita Federal e em 17 de de agosto o auditor-fiscal à frente da alfândega de um porto do Rio, situado em área dominada pela milícia, tenha escrito a colegas que sua cabeça estava a prêmio?
Na entrevista a seguir, Freixo comenta esses episódios, fala do avanço da lógica miliciana no meio da gestão Witzel e explica por que, dez anos depois da CPI, as milícias estão mais perigosas.
CartaCapital: A troca do chefe da PF no Rio tem relação com as milícias?
Marcelo Freixo: É muito possível. Ele era um bom agente público, uma pessoa séria, que fazia um bom trabalho. Não foi afastado pelos seus defeitos, foi afastado pelas suas qualidades. Se alguém é afastado por suas qualidades na área de segurança pública, isso é preocupante.
CC:E a possível troca de comando da Receita Federal, particularmente no porto de Itaguaí, tem relação com milícias?
MF: Não tenho nenhuma dúvida disso. Itaguaí é uma área dominada por milícia. É preciso que se investigue, é preciso que se olhe a possível relação entre essas coisas.
CC: O que a Receita poderia fazer ou faz ali que atrapalha a milícia?
MF: A milícia tem uma dinâmica financeira. A principal dinâmica da milícia é a financeira. A militar é consequência daquela relação de origem. A relação de ser da milícia é a receita, é financeira. Se você quer pegar a milícia, tem que ir na receita. Cada um que faça suas conclusões.
CC: Por que o senhor diz que a milícia de hoje é diferente daquela de 2008?
MF: Não é a milícia em si. Na verdade, o que mudou foram mais o Rio de Janeiro e a política nacional. A CPI pegou os braços políticos das milícias, os líderes são presos e há um baque muito grande, mais de 200 prisões. Como qualquer grupo criminoso, se você não tirar dele o território e o braço econômico, eles se renovam. Foi que aconteceu com a milícia. Mas eles não se renovam só nas suas estruturas pessoais, se renovam na relação com a política. Isso começa com a ascensão de uma extrema-direita a partir de 2013. O Bolsonaro sempre foi o esgoto do sistema. Ele defendeu a legalização das milícias em 2008 abertamente. E o que a gente vê hoje é um processo de legalização das práticas da milícia, não por lei, mas na prática. Essa é uma nova concepção de Estado que a gente vê surgir, muito perigosa para a democracia. A democracia era ameaçada pela milícia pelo domínio eleitoral, hoje é ameaçada pela milícia como uma nova concepção de Estado. De um Estado armado, de uma força armada pró-certa força política, com controle de território. É algo muito novo, algo que a gente não consegue diagnosticar.