Prefeitura de Arapiraca já gastou R$ 6 milhões de recursos do Ministério da Saúde
Município cria página para prestação de contas, mas não especifica como usou o dinheiro
Após pouco mais de um mês de a prefeitura de Arapiraca receber R$ 8,7 milhões do Ministério da Saúde para enfrentamento da pandemia do coronavírus, o município de Arapiraca já gastou praticamente R$ 6 milhões da ajuda financeira. E, apesar de ter criado uma página dentro do Portal da Transparência para tratar exclusivamente da utilização deste recurso, a maneira como este dinheiro foi gasto ainda é mistério.
A página, que foi criada após recomendação do Ministério Público Estadual, não está disponível no Portal da Transparência dentro do site da prefeitura de Arapiraca. Para ter acesso às informações, é necessário acessar a landing page criada pelo MPE, através do endereço: https://www.mpal.mp.br/transparencia-alagoas/. e procurar o link de Arapiraca. De lá, usuário é redirecionado para um endereço dentro do site da prefeitura, que curiosamente não é possível encontrar acessando diretamente a página do município na internet. Assim, o município atende a recomendação do MPE, mas ao mesmo tempo dificulta o acesso às informações para a população em geral.
Essa atitude, nem de longe, é o único ato de “esperteza” da prefeitura de Arapiraca. A página da prestação de contas não trás nenhuma prestação de contas de fato. Dos seis documentos disponíveis, quatro tratam apenas dos decretos municipais que definem medidas de enfrentamento da doença, como a declaração de situação de emergência, funcionamento das feiras, prorrogação de tributos e alterações temporárias no expediente de trabalho. Apenas dois decretos tratam especificamente dos recursos, mas não esclarecem como o dinheiro foi utilizado.
O Decreto 0001 abre crédito extraordinário, no valor de R$ 921 mil, e cria o Programa de Enfrentamento de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O documento que está disponível não traz explicações sobre como o recurso foi utilizado e é datado do dia 03 de abril, data anterior à publicação do Ministério da Saúde no Diário Oficial da União sobre os repasses para os municípios, que aconteceu no dia 09 de abril. A antecipação da destinação do crédito não é considerada irregularidade, porque o envio de recursos já era uma informação pública, mas mostra a avidez do município na utilização do recurso.
O Decreto 0002, de 27 de abril, destina outros R$ 5 milhões ao programa de enfrentamento a Covid. Desse montante, R$ 3,7 milhões foram classificados como despesa com material de consumo; R$ 834 mil com serviços de terceiros - pessoa jurídica; e R$ 500 mil em material, bem ou serviço para distribuição gratuita. Não há qualquer especificação de quais materiais, serviços e pessoa jurídica que foram pagos utilizando os recursos. Não há explicação, por exemplo, se a prefeitura comprou máscaras de proteção, luvas descartáveis e álcool em gel para utilização dos profissionais de saúde que atuam na linha de frente, no atendimento dos casos suspeitos e confirmados de covid-19 em Arapiraca.
Os valores dos dois decretos, somados, chegam a R$ 6 milhões. Do total de R$ 8,7 milhões enviados pelo Ministério da Saúde, não se sabe de os R$ 2,7 milhões restantes já foram utilizados ou se permanecem em caixa.
A verdade é que, até o momento, ninguém consegue enxergar como a prefeitura de Arapiraca conseguiu gastar R$ 6 milhões no combate à pandemia. Até a semana passada, os EPIs nas Unidades Básicas de Saúde eram escassos e, por conta disso, limitados. Os profissionais de saúde são obrigados a assinarem planilha para comprovar o recebimento dos kits de EPIs diariamente, que são insuficientes para todo o expediente de trabalho. As máscaras cirúrgicas, por exemplo, devem ser trocadas a cada duas horas devido o risco de contaminação, mas os profissionais da saúde recebem apenas uma para utilizar durante todo o dia de trabalho.
A escassez de EPIs geraram vários ofícios encaminhados pelos sindicatos dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Controle de Endemias, profissionais que também são considerados como linha de frente no combate à covid-19. A providência tomada pelo município foi de fazer o revezamento dos agentes de saúde nas UBS, uma vez que não haveria EPIs para todos. A situação também chamou atenção do Ministério Público Estadual, que instaurou um procedimento para definir se irá investigar especificamente esses casos.
Desde o início da pandemia, a prefeitura de Arapiraca adotou medidas, como a transformação do 3o, Centro de Saúde em Unidade Sentinela, para atender exclusivamente as pessoas com suspeitas de covid-19, definiu mudanças no funcionamento das feiras livres, e, nos últimos dias, têm mandado equipes para as ruas com o objetivo de fiscalizar o cumprimento dos decretos de restrição no comércio. Essas ações, que utilizam estrutura física já existente e mão-de-obra de dentro da própria prefeitura, não demandam um grande volume de recursos para serem colocadas em prática.
O município também distribuiu cinco mil cestas básicas, mas que foram compradas com recursos do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) e não com o recurso federal.
Apesar de Rogério Teófilo insistir na mesma cantilena desde o início do mandato, de “ética e transparência”, a utilização dos recursos do Ministério da Saúde continua um segredo guardado sob sete chaves. Será que vai ser necessário o município receber os outros R$ 26 milhões da nova remessa da ajuda federal aos municípios, que precisa ainda ser sancionada pelo presidente Bolsonaro, para Arapiraca conseguir enxergar uma ação ostensiva de combate ao coronavírus? Nos corredores quase vazios do Centro Administrativo, os servidores rezam muito para que esses milhões sejam liberados. Ultimamente, eles estão com mais medo dos comentários sobre a possibilidade de cortes nos salários do que com a contaminação pelo coronavírus.