Gol pagou preço inflado para anunciar em sites de Cunha; PF vê fraude
Anúncios custaram cem vezes mais do que os valores normalmente praticados pelo mercado publicitário
Alvos de investigação da Operação Lava Jato, anúncios comprados pela Gol Linhas Aéreas em dois sites do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) custaram ao menos cem vezes mais do que os valores normalmente praticados no mercado publicitário, segundo levantamento feito pela Folha com empresas e profissionais do setor.
A Polícia Federal, que prendeu o peemedebista na semana passada, acredita que a operação tenha sido usada para disfarçar o repasse de propinas. O ex-deputado teria recebido para defender no Congresso medidas que beneficiassem empresas da família Constantino, que controla a Gol.
A empresa diz que está realizando auditoria para apurar se houve irregularidades.
Para veicular quatro banners (imagens publicitárias) em cada endereço ligado ao ex-deputado, a companhia aérea gastou R$ 200 mil (R$ 250 mil em valores atuais) por mês entre 2012 e 2013.
O investimento total foi de R$ 2,2 milhões (R$ 2,7 milhões em valores atuais), segundo documentos fornecidos à PF pela agência AlmapBBDO, que atende a Gol.
O maior desses sites, o portal evangélico Fé em Jesus, tinha audiência média de 150 mil "page views" por mês, segundo a ferramenta de medição de tráfego Similarweb. Isso significaria hoje um custo de R$ 416 a cada mil visualizações (chamado no mercado de CPM, custo por milhar de impressões).
O editor de um dos maiores sites evangélicos no país, que pediu para não ter seu nome publicado, diz que seu site cobra um CPM de R$ 3 — 0,72% da taxa paga pela Gol a Cunha.
Se esse valor fosse aplicado para os banners comprados pela Gol, o valor recebido pelo ex-deputado seria apenas cerca de R$ 1.800 reais mensais.
Grandes portais, como UOL (do Grupo Folha, que edita a Folha) ou o 'G1', adotam CPM de até R$ 30 na tabela de preços, mas, por prática de mercado, os descontos nesses valores costumam passar de 70%.
No total, segundo os registros da AlmapBBDO, a Gol pagou 11 parcelas de R$ 200 mil a Cunha. Sete foram em nome do Fé em Jesus e outras quatro para um site chamado Bom Mercatto, que funcionaria como plataforma de comércio eletrônico.
Esse valor pago pela companhia, atualizado pela inflação, também seria suficiente para fechar pacotes mensais com grandes portais citados.
O valor de R$ 250 mil é o preço, por exemplo, de uma "cota master" na homepage do 'G1', com audiência cerca de 3.250 vezes maior que o Fé em Jesus, segundo o Similarweb.
Um publicitário especialista em compra de anúncios na mídia que atende grandes empresas brasileiras confirmou à Folha, sob condição de anonimato, que o investimento é descabido para o porte dos sites de Cunha.
Ele disse que, caso se tratasse de um cliente seu, recomendaria um investimento de no máximo R$ 9.000 por mês em um veículo segmentado com a audiência do Fé em Jesus.
O publicitário diz, porém, que só aprovaria os anúncios se o público atingido pelo site fosse relevante para o anunciante. No caso da Gol, diz, anunciar em um site evangélico "não faz sentido algum".
OUTRO LADO
Procuradas, Gol e AlmapBBDO repetiram o que disseram no dia da prisão de Cunha. A defesa do ex-deputado não respondeu.
A companhia aérea afirma "que está em processo de apuração" e que contratou "auditorias internas e independentes para a total elucidação dos fatos".
Já a agência de publicidade alega que adquiriu os anúncios a pedido da Gol. O plano de mídia da campanha desenvolvida em 2012, diz a empresa, contou com publicidade veiculada "em mais de 50 websites".
CUNHA E ALVES SE TORNAM RÉUS EM CASO DE PROPINA DA CAIXA
O juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, tornou réus nesta quarta-feira (26) os ex-deputados federais Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que foi ministro nos governos Dilma Roussef e Michel Temer, e outras três pessoas, incluindo o corretor de valores Lúcio Bolonha Funaro. O juiz acolheu denúncia do Ministério Público Federal que apontou supostos pagamentos de propina para intermediação de liberação de recursos, para projetos privados, do fundo de investimento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).
Cunha e os outros agora réus haviam sido denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) em junho passado. Como o político perdeu o mandato no Congresso e, consequentemente, o foro privilegiado no STF, o caso foi enviado para a 10ª Vara. A Procuradoria da República no Distrito Federal corroborou a denúncia da PGR.
O juiz apontou que, segundo o Ministério Público, havia "contatos com os investidores em especial de fundos na Caixa Econômica Federal para cobrança de 'propinas', que eram distribuídas a maior parte para Eduardo Cunha e em menor proporção para Lúcio Bolonha, Alexandre Margoto e Fábio Cleto", ex-vice-presidente da Caixa que depois fez um acordo de delação premiada na Operação Lava Jato. Além disso, frisaram os procuradores, haveria "também recebimento de dinheiro ilícito por Henrique Eduardo Alves". Margotto, empresário, trabalhava com Funaro na época.
Segundo o juiz, os procuradores da República apontam "como prova a farta documentação que relata com precisão de detalhes as operações junto à Caixa Econômica Federal e os dados bancários de contas no exterior, planilhas, recibos e anotações feitas por alguns dos acusados", além dos depoimentos prestados por Cleto e "de outros investigados e testemunhas", como o empresário Ricardo Pernambuco, sócio-proprietário da construtora Carioca, que tiveram "intensa atividade no acobertamento e entrega do dinheiro indicado como ilícito a seus destinatários aqui denunciados".
Em denúncia formulada em junho passado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu que, além das prisões, os réus sejam condenados ao pagamento "de reparação por danos materiais e morais causados por suas condutas", calculados em "duas vezes o momento da propina" que teriam recebido: R$ 13,7 milhões, por Cunha, R$ 10,4 milhões, por Funaro, R$ 10,4 milhões, por Margotto, e R$ 3,2 milhões por Henrique Eduardo Alves.
O juiz determinou ainda a citação dos réus para que apresentam resposta à acusação no prazo de dez dias, além de poderem indicar rol de testemunhas. Cunha está preso em Curitiba (PR).
Na época em que foram denunciados pela PGR, Cunha, Henrique Alves e Funaro negaram quaisquer irregularidades e também negaram ter recebido propina. O defensor de Alves disse que o ex-deputado negava "veementemente ter recebido qualquer recurso indevido". Por nota, Cunha negou na época ter pedido propina para ele ou terceiros e "desmente a afirmação" contrária.