Por que o canal Totoykids, com 25 milhões de fãs, fez um Papai Noel negro?
A popular página de vídeos infantis do YouTube, uma das maiores do gênero, reimaginou a simbólica figura. Contudo, não sem antes encarar diversas críticas
Um dos maiores canais infantis do YouTube, com mais de 16 milhões de inscritos e algo como 7 bilhões de views – e isso só na versão em português, pois há em outras línguas, já que o conteúdo é assistido por crianças de 35 países –, o Totoykids resolveu repaginar um, digamos assim, detalhe em seu vídeo anual de Natal. No último dia 25, o Papai Noel ganhou pele negra. E o vídeo “Natal do Totoykids com Jose Totó e Isa esperando o Papai Noel!!! (…)” já contabiliza quase 900 mil acessos.
A decisão de exibir um desenho com a versão negra da simbólica figura foi fruto de prolongadas discussões internas da equipe de criação da página. André Vaz, que em 2014 criou a empreitada com a esposa, Isa Vaal, nos Estados Unidos (onde moram), conta que as reuniões foram tensas. Apesar de os funcionários internos aprovarem a ideia de repensar o Papai Noel, parceiros externos, a exemplo dos ligados a estúdios de animação que produzem parte dos vídeos, foram contra.
Os que se opunham apresentavam dois argumentos. Primeiro, que o canal não teria “lugar de fala”. Isso visto que os fundadores são brancos. Segundo, que poderia parecer uma mera jogada comercial, ou de marketing, do Totoykids. Todavia, a certificação de que o caminho tomado era o certo veio a André Vaz não em debates com seu time. Mas em uma conversa com um taxista negro. Ele explica a seguir.
Como decidiu que faria uma versão negra do Papai Noel? A ideia nasceu dentro da equipe do Totoykids. O Papai Noel é uma figura amada por todas as crianças. Desde o início de nosso trabalho, há seis anos, destacamos vídeos de Natal. Desta vez pensamos “E se fizermos o Noel negro neste ano?”. A pergunta que prevaleceu depois: “Por que não fazer?”. O personagem icônico é referência por sua bondade e solidariedade. Faz todo sentido apresentá-lo de uma forma com a qual todas as crianças possam se identificar.
Publicidade
Houve resistência à proposta? Pesquisei sobre a história do mito do Papai Noel. Há diversas versões. No imaginário de hoje, ele é aquela figura branca, com roupa vermelha. Contudo, a roupa vermelha é um acréscimo recente, dos anos de 1930. Antes não se vestia assim. Nos Estados Unidos, conta-se às crianças que ele mora no Polo Norte. Para os ingleses, é na Finlândia. Cada povo tem uma versão própria. Logo é justo imaginar a figura como quisermos. Inclusive como negro. Porém, teve gente que não gostou da ideia.
Quem? Para tomar decisões em um canal de nossa relevância, com milhões de seguidores, visto bilhões de vezes, que interfere na vida e no pensamento das crianças… precisamos ouvir pensamentos variados. Consultamos parceiros, como os estúdios que nos auxiliam com o trabalho das animações. Não gostaram da proposta, com duas alegações. Primeiro, a crítica mais frequente foi a de que não teríamos autoridade para abordar o tema por sermos brancos. Pela questão do “lugar de fala”, entre aspas, não contaríamos com legitimidade. O segundo ponto levantado seria que estaríamos sendo oportunistas. Correria o risco de parecer uma manobra para conquistar atenção. Começo com a resposta à segunda opinião. O canal ultrapassa, em todas as suas versões, 25 milhões de inscritos e 10 bilhões de views. Causar qualquer polêmica só é ruim, pelo ponto de vista estritamente comercial, ou pela ótica do marketing. Dizer que queríamos “chamar atenção” não tem base, portanto. Tenho certeza que seria bem mais cômodo e seguro simplesmente repetir a imagem tradicional do Papai Noel, à qual recorremos em todos os anos anteriores. Já sobre a questão do “lugar de fala”… vou compartilhar uma história que responde a isso. Uma semana antes da decisão final, estava entre reuniões para discutir o tema. Muita gente era contra, repito. Foi quando tive a sorte de chamar um táxi e o taxista ser negro. Perguntei a ele o que achava disso tudo. “Amigo, ninguém melhor do que você para resolver uma questão de meu canal de YouTube”. Após explicar tudo, ele afirmou achar a iniciativa incrível. Disse que os filhos dele iam amar ver um Papai Noel com a cor deles. O motorista se comoveu. Era óbvia a alegria estampada no rosto dele.
Contou a ele que havia resistência de seus parceiros a essa proposta? Logo depois dele dizer que gostou, compartilhei as críticas. Ele respondeu que achava tudo besteira. Que era preciso ser ousado e fazer. Que os filhos dele ficariam felizes. Isso foi o que mais pesou. No time, éramos todos brancos. Saber que crianças negras iam se sentir felizes com a ação era a única coisa que eu precisava saber. Afinal, o nosso objetivo é atingir e agradar o público infantil. Para comprovar isso à minha equipe, levei os profissionais envolvidos para também se consultar com o mesmo taxista.
Como um Papai Noel negro condiz com a meta de agradar as crianças? A criança se identifica. Vê na prática como, apesar das pequenas diferenças, somos todos humanos, iguais por esse ponto de vista. E podemos ser o que quisermos. Um canal como o nosso leva a discussão aos lares. Apesar de o tema ser debatido na mídia, não é fácil chegar às crianças. Nós somos vistos por filhos e filhas que podem se sensibilizar, que perguntam aos pais “Por que o Papai Noel é negro nesse vídeo?”. E ainda chegamos às crianças bem na idade na qual estão formulando crenças e verdades. Além disso, debater a negritude é fundamental quando pensamos que o Brasil conta com uma das maiores populações negras do mundo.
Após a publicação do vídeo, as reações foram positivas? Majoritariamente, sim. Confesso que esperávamos os comentários racistas, e sabíamos como reagir a eles. Também cogitávamos críticas como as feitas por nossos parceiros. Só que nada disso se destacou. Os comentários que citavam a cor da pele eram positivos, elogiosos. Contudo, vale ressaltar um outro ponto. A grande maioria das crianças nem notou a mudança. Por quê? Pois para elas isso não é relevante. Gostaram do vídeo, adoraram o Papai Noel, e pronto. Assim pensam as crianças.