Desenvolvimento

Idosos ampliam espaço no mercado de trabalho, mas só 1/4 tem carteira assinada

Por G1 18/11/2018 10h10
Idosos ampliam espaço no mercado de trabalho, mas só 1/4 tem carteira assinada
Dilma Stanisci, de 81 anos, é caixa na farmácia de manipulação Buenos Aires, em São Paulo: 'Não quero ficar em casa'. - Foto: Fabio Tito/G1

O interesse das empresas por trabalhadores da terceira idade nunca foi notável, mas já se percebe um olhar um pouco mais amigável para a diversidade etária e a convivência entre gerações dentro do ambiente corporativo. Esse movimento atende a uma crescente demanda de pessoas mais velhas que buscam um emprego.

Ainda que o percentual de pessoas acima de 60 anos no mercado de trabalho venha crescendo – bateu o recorde de 7,9% no segundo trimestre, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – apenas 26% têm carteira assinada. A maior parte ainda está na informalidade ou em ocupações por conta própria.

A faixa etária mais excluída do mercado formal é também a que mais tem sofrido com o fechamento de vagas com carteira assinada, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Em agosto, enquanto a faixa etária até 39 anos criou mais de 140 mil vagas, 37 mil postos foram fechados para pessoas acima de 50 anos.

Contudo, algumas empresas passaram a lançar programas com vagas abertas apenas para pessoas de idade mais avançada, como parte de um esforço de diversidade que já era observado em relação a gênero e raça.

‘Eu sou a avó que vocês procuram’

Monika, de 70 anos, é treinada por funcionária mais jovem após ser contratada como atendente do Reclame Aqui. — Foto: Reclame Aqui/Divulgação

Após sair do emprego de secretária bilíngue no ramo de autopeças, Monika Feldenheimer da Silva pensava que não teria mais chances no mercado de trabalho.

Ao saber, por sua filha, que o site Reclame Aqui divulgou um anúncio de vaga com os dizeres “Contratamos a sua avó”, ela enviou um email para a empresa: “Eu sou a avó que vocês procuram”.

Formada em ciências sociais e com 20 anos de experiência, Monika recebeu um Uber na porta de sua casa para levá-la à entrevista de emprego, que tinha cinco candidatos. O emprego de atendente era dela.

No começo, a nova atendente de 70 anos teve receio de sofrer preconceito dos mais jovens, mas logo percebeu que o ambiente era receptivo. Ela foi treinada por uma das funcionárias mais jovens da empresa, como parte da cultura de mesclar gerações.

“Não consigo me imaginar não trabalhando, senão me sinto meio inútil. Quando parei, disse para meu filho que foi dificil ficar sem trabalhar”, conta Monika.

Além do senso de utilidade, Monika destina parte de seu salário para ajudar um dos netos, que não tem renda suficiente para se manter.

Em busca de recolocação

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado no primeiro semestre apontou que a proporção de idosos que pararam de trabalhar após perder o emprego caiu de 20%, em 2012, para 16% em 2018. Mas também caiu o percentual dos que conseguiram uma colocação ao passar dos 60 anos. Em seis anos, essa taxa passou de 28% para 23%.

Para o fundador da plataforma de trabalho para a terceira idade MaturiJobs, Mórris Litvak, uma das principais razões para estas pessoas continuarem em busca de trabalho é a necessidade de renda e o fato de a aposentadoria não ser suficiente para cobrir os gastos.

“Existe também uma vontade de se sentir útil e ter algo para fazer que leva muita gente a continuar trabalhando, mesmo sem precisar”, explica. Há ainda aqueles que após os 60 anos ainda não atingiram o tempo de contribuição ou a idade mínima para obter a aposentadoria e são obrigados a continuar trabalhando.

Necessidade financeira

Boa parte dos idosos que trabalham não teria necessidade própria, mas destina o que ganha para sustentar a família. Cerca de 10 milhões de pessoas dependem da renda dos aposentados para viver, segundo uma pesquisa da LCA Consultores. Em 2017, o percentual de lares em que 75% da renda ou mais vem de indivíduos com mais de 60 anos cresceu 12%, somando 5,7 milhões.

“É uma situação muito comum, de continuar trabalhando para ajudar os filhos e netos que não têm renda suficiente, principalmente depois da crise, em que muita gente perdeu o emprego e passou a depender desses ganhos”, aponta Latvik, da Maturi Jobs.

‘Não quero ficar em casa’

Dilma Stanisci, de 81 anos, é caixa na farmácia de manipulação Buenos Aires, em São Paulo: 'Não quero ficar em casa'. — Foto: Fabio Tito/G1

Dilma Stanisci, de 81 anos, trabalha como caixa na farmácia de manipulação Buenos Aires, em São Paulo, há 17 anos. Mas ela, que começou a trabalhar com 13 anos em uma fábrica de calçados, é aposentada há 38 anos. Ela prefere abdicar do dinheiro do benefício do INSS, que seria maior que seu salário, por querer trabalhar e se sentir útil.

Ela sempre gostou de trabalhar. Quando começou, o pai não queria deixá-la por ser muito nova. “Mas eu bati o pé e o juiz deu autorização”, lembra.

Depois de 12 anos costurando calçados, a idosa foi trabalhar em uma imobiliária, onde ficou por 30 anos e passou pelos setores administrativo, telefonia e caixa. Em 1980, ela se aposentou, mas quis continuar trabalhando. Conseguiu emprego em uma agência de turismo, onde ficou por sete anos. Como não tinha carteira assinada, acumulava o dinheiro da aposentadoria e do salário.

“Fiquei um ano desempregada e deprimi, foi então que um amigo me falou da farmácia que contratava quem tinha mais de 60 anos, aí fui chamada e já entrei como caixa fixa”, conta Dilma.

O plano de Dilma era ficar um ano na farmácia, mas já se passaram 17, e ela não pensa em parar. “Gosto de trabalhar, me adapto a qualquer situação, converso com as pessoas”, diz.

Dilma usa sua renda do trabalho para ajudar duas irmãs, de 85 e 89 anos. — Foto: Fabio tito/G1

Ela, que tem até o 4º ano do ensino fundamental, diz que a única dificuldade é se adaptar à mudança de tecnologia. “Mas se me explica o serviço eu pego logo”. Ela anota tudo o que é ensinado e segue o que está no papel.

“A memória é boa, tenho facilidade com números, faço conta de cabeça, sempre confiro todos os valores, e se vejo algum problema eu aponto para as atendentes”, conta.

Dilma é solteira e tem duas irmãs, de 85 e 89 anos, e as ajuda financeiramente. A empresa paga todos os benefícios como vale-refeição e vale-transporte e tem coparticipação no plano de saúde.

Apesar de ainda dirigir – renovou sua carteira de habilitação em outubro -, Dilma prefere pegar dois ônibus até a farmácia, onde trabalha das 8h às 17h50.

“Tem gente que pergunta até quando vou trabalhar aqui. Enquanto eu não estiver atrapalhando eu fico, quando atrapalhar eu saio. Eu não quero ficar em casa, aí fico doente”.

Os idosos acima de 60 anos representam cerca de 5% do quadro de funcionários da farmácia Buenos Aires - são 9 mulheres e 3 homens.

A proprietária Marisa Marques diz que a empresa valoriza a tradição e considera a experiência das pessoas com mais idade muito importante. “São pessoas dedicadas ao que fazem e valorizam muito seu emprego”, diz.

Marisa Marques, dona da Farmácia Buenos Aires, que tem 5% do quadro de pessoas acima de 60 anos. — Foto: Fabio Tito/G1

Marisa comenta que confia de olhos fechados no trabalho de Dilma no caixa. “Ela está sempre sorrindo, é muito comprometida”. diz.

Segundo a proprietária, os idosos costumam ter dificuldade com mudanças, como implantação de novas ferramentas de trabalho, mas eles passam por um período de adaptação. “A gente entende essa dificuldade e espera até eles se acostumarem”, diz.

Sem vínculo, com ganho diário e caixinha

Iraci Ribeiro, de 74 anos, debaixo do pé de pitanga que faz sombra para seus dias de trabalho em pé, em jornada de 9 horas diárias — Foto: Marta Cavallini/G1

Iraci Ribeiro, de 74 anos, nunca teve carteira assinada, mas mesmo que esteja na informalidade desde os tempos em que era diarista, a idosa se sente orgulhosa de ainda trabalhar e se sentir útil.

Após 20 anos limpando casas de diferentes patrões até aos domingos, há 8 anos ela entrega panfletos para um avaliador de joias na Zona Oeste de São Paulo. Iraci recebe R$ 40 por dia para trabalhar de segunda a sexta, das 9h às 18h. “Trabalho para ocupar a mente, ficar sozinha em casa não dá”.

Antes de se tornar entregadora de folhetos, ficou por dois anos vendendo bolsas para uma ambulante na mesma rua. “Mas ela se mudou daqui e eu fiquei sem trabalho. A sorte é que tinha essa vaga de entregadora e eu fui escolhida”, afirma.

Iraci tem dois filhos, 6 netos e um bisneto. De vez em quando ajuda a família. Além da remuneração diária, ela ganha “caixinha” de quem vai vender ouro e de quem ajuda dando informação. Ela já é conhecida na região e sempre ganha cafezinho e bolo dos comerciantes. “Passa o dia que nem vejo. Quando olho já deu 6 da tarde”.

Iraci conta que um pé de pitanga faz uma “sombra boa” para protegê-la do sol durante as 8 horas em que fica em pé - a idosa tem uma hora de almoço. Ela viu a árvore crescer desde que começou a trabalhar ali.

“Quando algum caminhão para e bate nos galhos eu brigo”, comenta. Quando doem as pernas, ela se ajeita em alguma soleira de loja para descansar por uns 10 minutos. Ela acorda todos os dias às 5 da manhã e pega dois ônibus. “Se eu estivesse dentro de casa não estaria assim, com saúde e disposição”, diz.

Movimento de inclusão

Segundo Latvik, da MaturiJobs, embora a contratação de pessoas da terceira idade seja uma tendência ainda pequena nas empresas, é possível perceber um crescente interesse por profissionais mais velhos em algumas culturas organizacionais.

“Algumas empresas estão mudando o olhar para profissionais mais seniores, principalmente depois da crise, quando algumas sofreram por terem empregado funcionários muito jovens e com pouca maturidade e experiência”, diz Latvik.

Assim como a diversidade de gênero e raça adotada recentemente por parte do mundo empresarial, a inclusão etária também começa a ser valorizada em alguns ambientes que buscam mesclar a convivência de diferentes gerações no ambiente de trabalho.

Mas o fundador da MaturiJobs pondera que ainda existe um preconceito nas empresas de que os idosos são mais caros, como os custos com plano de saúde, ou de que estão desatualizados.

“Ao incluir idosos, a empresa traz inovação. Já é comprovado, que a diversidade etária é tão importante quanto as outras porque ela traz olhares diferentes e ajuda a pensar fora da caixa. Essa troca é muito rica”, diz.