Política

Falta luz e professor: a rotina na escola do menino que protestou na Bienal

Ato de coragem de uma criança

Por Uol Notícias 11/09/2019 10h10
Falta luz e professor: a rotina na escola do menino que protestou na Bienal
Pedro Otávio, 8, protestou na Bienal do Livro pela falta de gás na sua escola no Rio - Foto: UOL

A censura do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), a uma ilustração de um beijo gay em uma história em quadrinhos na Bienal do Livro, sob o pretexto de "proteger as crianças", levou moradores a denunciarem problemas da cidade. No sábado (7), penúltimo dia do evento, um protesto espontâneo contou com centenas de frequentadores da feira. Entre eles, uma criança na linha de frente da manifestação gritava contra a censura: Pedro Otávio Motta Ferreira, de 8 anos.

Com um cartaz que pedia o restabelecimento do gás na cozinha de sua escola, ele chamou a atenção. Além do gás, a Escola Municipal Avertano Rocha, na Cidade de Deus (zona oeste do Rio), enfrenta outros problemas, segundo mães e responsáveis de alunos ouvidos pelo UOL. De acordo com levantamento feito por um grupo de mães de alunos da unidade, foram ao menos 47 dias úteis sem aula no ano em razão de falta de água e de luz, ausência de professores e operações policiais, entre outros motivos.

A mãe de Pedrinho, Camila Motta, 30, contou que a iniciativa de fazer o cartaz foi do próprio menino. Naquele sábado, quando aconteceu a segunda fiscalização da Prefeitura do Rio em busca do "livro proibido" na Bienal, fazia dois dias que a escola estava sem gás. Mas não era a primeira vez.

"Acho que foi acumulando tudo e o Pedro percebeu que isso não era normal, que o prefeito não estava trabalhando como deveria", avalia Motta. Ela se refere a constantes episódios de falta de água e de luz, de competência da Secretaria Municipal de Educação, e a operações da Polícia Militar na Cidade de Deus, que afetam o desempenho escolar.

O aplicativo Fogo Cruzado registrou, de janeiro a agosto, 128 registros de tiros ou tiroteios na comunidade —29 deles ocorridos em agosto. A Secretaria Municipal de Educação afirmou que há um documento específico elaborado com a auxílio da Cruz Vermelha para auxiliar professores e funcionários em dias de operação a fim de garantir a segurança dos alunos. O protocolo é sigiloso.

O UOL ouviu, além de Camila, outras três mães que têm filhos em idade escolar e que estudam ou já estudaram na Avertano Rocha.

Miriam de Sá, 43, mãe de um aluno de nove anos, contou que no próximo ano pretende tirar o filho da unidade. "Quando não são os tiroteios, é porque falta água, gás ou não tem comida", denuncia. Outra reclamação que Miriam faz é sobre a ausência de professores: quando algum entra de licença médica, a reposição é feita por pedagogos.

A secretaria diz que, se algum professor faltar por problema de saúde, por exemplo, "a coordenação pedagógica assume a turma até o retorno do mesmo". Segundo a pasta, o quadro de professores está completo e "os alunos sempre têm aulas".

Miriam discorda — segundo ela, a turma do seu filho ficou com uma professora afastada por dois meses e a pedagoga responsável por dar continuidade às aulas também se ausentava com frequência. Resultado: alunos sem aulas.

Outro motivo para os alunos não terem o ciclo completo de aulas é a falta de itens básicos, como água e luz.

Mãe de um aluno de nove anos, que cursa o terceiro ano, Viviane Ramos, 34, destaca que, além dos tiroteios, o maior incômodo é a falta de luz. "Muitas das vezes, eles [a escola] nem dão maiores explicações. Só falam para voltar com a criança para casa", lamenta.

Pelas sucessivas faltas de aula, ela pretende tirar o filho da unidade já no próximo ano.

Este foi o caminho escolhido por Vânia Gonzo, 43, mãe de um aluno da quarta série. Além da constante falta de água e de luz, ela decidiu tirar o seu filho da unidade no início do ano letivo. Os episódios que impediam as aulas, como falta de luz, muitas vezes não eram comunicados da forma ideal.

"As crianças iam sozinhas para a escola e as mães iriam trabalhar acreditando que seus filhos estariam seguros dentro da escola, mas eles eram incentivados a voltar para casa. É muito difícil ter nossos filhos em uma unidade escolar que não se importa", lamenta.

"Ninguém irá intimidar a mim ou a meu filho"

Pelo acúmulo de problemas relatados por diferentes mães, Camila Motta foi à Bienal do Livro e permitiu que seu filho protestasse (veja o vídeo abaixo). Ela confeccionou o cartaz com o que Pedrinho queria que Crivella se preocupasse: gás de cozinha, segurança, creches.

Sem medo de retaliações por parte da escola, ela diz que jamais deixaria se calar: "É liberdade de expressão. Somos uma democracia e ninguém irá intimidar a mim ou a meu filho".

O que dizem a prefeitura e a polícia

Procurada sobre as denúncias das mães, a Secretaria Municipal de Educação enviou nota com explicações ao UOL. Segundo a pasta, as "denúncias não procedem" e "não há problemas no fornecimento de água e luz".

Apesar de no início do ano uma professora ter dito a Camila que os problemas de infraestrutura da unidade eram por falta de orçamento e a diretora já ter explicado que o encanamento é antigo, a secretaria nega as acusações.

"Os equipamentos de hidráulica são adequados para a demanda da Unidade. Quando problemas pontuais acontecem, são resolvidos com a maior brevidade possível e em nada afetam o ensino e aprendizagem."

A pasta também afirmou que o problema "pontual" de fornecimento de gás na unidade foi devido a um vazamento nos registros. De acordo com a secretaria, foram oferecidos aos alunos "dois lanches reforçados", mas a reportagem apurou que em um dos dias, o lanche era biscoito e banana.

O UOL questionou a Polícia Militar, de competência do governo fluminense, se há um protocolo para evitar incursões em horários de início ou fim de turno escolar ou, ainda, se há um plano para evitar que crianças sejam expostas aos riscos de um eventual tiroteio durante operações na região.

Em nota, a PM não respondeu aos questionamentos, informando apenas que suas ações são "pautadas por informações da área de inteligência e seguem protocolos rígidos de execução" e que observa relatos de redes sociais "sobre supostos excessos cometidos por seus policiais".

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