Judiciário enfrenta tensões entre lavajatismo e bolsonarismo
Na mira de uma CPI, Poder Judiciário no Brasil é bom para o juiz e ruim para o país é motivo de tensões entre lavajatismo e bolsonarismo
Olavo de Carvalho, o guru bolsonarista sumido, está uma fera com a nova tentativa de aliados do presidente de criar uma CPI para investigar o Judiciário, esse poder que em 30 anos tornou-se um paraíso para juiz e seus funcionários e um inferno para o País. Em um vídeo nas redes sociais da web dia 15, Carvalho teorizou: “Vamos combater primeiro os comunistas, seus idiotas. Não entenderam ainda? O problema no Brasil não é a corrupção, é o Foro de São Paulo, é o poder esquerdista”.
Nota dez em hipocrisia. Jair Bolsonaro elegeu-se como a virgem no lamaçal e agora seu guru diz que isso daí é o de menos, tá ok? Apoiadores da eleição do ex-capitão, vide a presença de Sérgio Moro no governo, os partidários da Operação Lava Jato caminham para se divorciar do bolsonarismo, separação capaz de tirar pontos do já baixo ibope presidencial. E a CPI da Lava Toga destaca-se no litígio, graças ao jogo “uma mão lava a outra” do senador Flávio Bolsonaro com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, alvo número um da CPI.
A proposta de criar a comissão tem as assinaturas necessárias no Senado, e Flávio, ex-patrão de Fabrício Queiroz, homenageador de milicianos e dono de grande tino imobiliário, age para matá-la. Quem o dedurou foi uma colega de PSL. Quer dizer, ex-colega, pois após o episódio, Selma Arruda, do Mato Grosso, filiou-se ao Podemos, na quarta-feira 18. A senadora de 56 anos contou em público que Flávio lhe telefonou e pediu para tirar a assinatura da CPI. Ele teria dito que a apuração tumultuaria Brasília, péssimo para o governo do pai. E falado em voz alta. “Eu me recuso a ouvir grito, então desliguei o telefone”, afirmou Selma. Flávio negou: “Jamais gritaria ou trataria mal”. Qualquer observador da família Bolsonaro, clã de homens chiliquentos, acha a versão de Selma mais fiel à realidade. E olha que a senadora não é santa, apesar de ter sido juíza por 22 anos.
Nascida em Camaquã, cidade gaúcha de 62 mil pessoas, Selma pendurou a toga em março de 2018, para disputar a eleição pelo estado onde trabalhava. Vendeu-se na campanha como “Moro de saias”. Em abril passado, foi cassada por caixa 2, crime que um dia o ministro da Justiça achou pior que corrupção. Uma decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso. Selma é acusada de fazer campanha antes da hora, e com grana escondida do TRE. A prova está em uma cobrança judicial movida pela empresa que ela havia contratado para cuidar de sua imagem, a Genius. O dinheiro pago à firma, 1,2 milhão de reais, saiu de um empréstimo feito pelo suplente da senadora, o empresário Gilberto Possamai, igualmente cassado. Selma só não perdeu o mandato ainda por ter recorrido ao Tribunal Superior Eleitoral.
Com Selma, o PSL tinha quatro senadores, numa casa de 81. O líder da bancada, o paulista Major Olímpio, defendeu que era Flávio quem deveria sair. Em Brasília circula que Olímpio e outros do PSL sonham com uma chapa presidencial em 2022 formada por Moro e a deputada estadual em São Paulo Janaína Paschoal, advogada do impeachment de Dilma Rousseff.
Mais uma pista do divórcio à vista entre bolsonarismo e lavajatismo, alimentado pelas ações do presidente para salvar Flávio e amigos milicianos: troca na chefia da Polícia Federal no Rio, escolha do novo PGR fora da lista tríplice votada pela categoria, queixas públicas contra auditores da Receita Federal e por aí vai. Não deve ter sido coincidência a PF ter vasculhado na quinta 19 o gabinete do líder de Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), e de seu filho deputado, Fernando(DEM). Cheiro de retaliação.
A CPI que Flávio quer enterrar é a terceira tentativa feita em 2019 pelo senador-delegado de polícia Alessandro Vieira, do ex-PPS de Sergipe, de investigar o Judiciário. Este já foi alvo de uma CPI no Senado em 1999. Foi aquela comissão que provou mutreta do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, hoje de 91 anos. No comando dos preparativos de uma obra de construção de um fórum trabalhista em São Paulo, Lalau montara uma fraude de 169 milhões de reais. Um dos parceiros da falcatrua era senador pelo Distrito Federal, Luiz Estevão, dono de uma empreiteira, e foi cassado em 2000, o primeiro senador a ter tal destino.
Vieira, de 44 anos, sonha em repetir aquela CPI. Tentou primeiro em fevereiro, ao listar 13 casos dignos de apuração, coisas como atividades empresariais de juízes. Conseguiu as assinaturas necessárias (27), mas dois signatários, Kátia Abreu, do PDT de Tocantins, e Tasso Jereissatti, do PSDB do Ceará, recuaram, a pedido de Gilmar Mendes, juiz-empresário do STF. Vieira arranjou novos apoios e reapresentou a CPI em março. Daí foi o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, quem deu um jeito de engavetar (quer repetir a dose agora). A terceira tentativa nasceu em setembro, de novo com as assinaturas mínimas. Seu foco é um só, Toffoli, do Supremo. Motivo: a decisão dele, de março, de abrir um inquérito para investigar o uso de notícias falsas, pela web, contra o STF. Decisão “ilegal e arbitrária” de Toffoli, que agiu “de maneira absolutamente incompatível com o decoro”, diz Vieira