Entidades vão denunciar caso de garoto que dormiu em cela a órgãos internacionais
O adolescente foi encontrado escondido embaixo da cama do preso José Ribamar Pereira Lima
O caso do adolescente de 13 anos que dormiu com um preso condenado por estupro de vulnerável dentro da Colônia Agrícola Major César de Oliveira, no município de Altos (região metropolitana de Teresina), será denunciado à ONU (Organização das Nações Unidas), à OEA (Organizações dos Estados Americanos) e à Redlamyc (Rede Latino-Americana e Caribenha de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) pelo MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) e Comitê de Prevenção e Combate à Tortura no Piauí, nesta quarta-feira (4).
O adolescente foi encontrado escondido embaixo da cama do preso José Ribamar Pereira Lima, 52, condenado a 12 e 18 anos de prisão pelos crimes de estupro de vulnerável e atentado violento ao pudor, cometidos nos anos de 2008 e 2009. Ao localizar o menino, agentes penitenciários levaram ele, o preso e os pais dele para a Central de Flagrantes de Teresina. Os envolvidos foram liberados após o exame de conjunção carnal e de corpo de delito realizado no Instituto Médico Legal de Teresina ter dado negativo.
A presidente do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura no Piauí e coordenadora do MNDH, Lourdinha Nunes, entregará um relatório investigativo sobre o caso em uma reunião com os órgãos internacionais, em Buenos Aires, no próximo dia 10.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional Piauí, também investiga o caso e deverá formalizar denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em novembro. Segundo o presidente da OAB-Piauí, Francisco Lucas Costa Veloso, duas comissões estão acompanhando as investigações e terão 30 dias para concluir um relatório que será entregue ao órgão internacional.
Em depoimento à polícia, o menino e a mãe afirmaram que o pai do garoto insistiu para ele que dormisse na Colônia Agrícola Major César de Oliveira. O menino contou que ficou receoso e pediu que o irmão de 8 anos ficasse também, mas a criança não aceitou. A mãe dele contou que acabou cedendo por deixar o filho com o preso porque o marido foi irredutível. Já o pai do adolescente afirmou que foi o filho quem pediu para dormir no presídio. A polícia destaca que os depoimentos são cheios de contradições e não explicam o motivo que levou o adolescente a pernoitar no local.
O preso sustentava a família do adolescente, que recebia alimentos, roupas, calçados, telefones celulares e dinheiro a cada visita que faziam a ele. A família se mudou de Alto Longá este ano depois que o pai, Gilmar Gomes, 49, conseguiu progressão de pena do regime semiaberto para liberdade condicional.
O pai do menino afirmou que José Ribamar costumava agradar seus filhos dando "besteiras", como biscoitos, refrigerantes e chocolates, além de ajudar a família com alimentos. Segundo o garoto, com a proximidade do Dia das Crianças, na próxima semana, José Ribamar prometeu presentar ele e os irmãos com um vídeo-game.
Tanto o Movimento Nacional de Direitos Humanos quanto a OAB Piauí tentam entender a real situação que levou o adolescente a dormir com o preso, além do fato de ele ter ficado por quase 18 horas dentro do presídio sem que ninguém soubesse. "Até agora não ficou claro porque o menino estava lá. Não há controle de entrada e saída de pessoas na colônia agrícola porque essa criança já frequentava o local antes", afirma Nunes, do MDH.
Ela critica a ação inicial da Polícia Civil de ter liberado o adolescente, os pais e o preso antes de colher depoimento dos envolvidos na Central de Flagrantes de Teresina e por se contentar somente com o laudo do Instituto Médico Legal apontando que não houve conjunção carnal. Para Nunes, "jamais era para a criança ter sido liberada para voltar para casa com os pais até que tudo fosse apurado".
"Esse exame não garante que a criança não sofreu atos libidinosos, que não marcas no corpo, mas ferem a alma. Atos libidinosos são graves, tanto que para constatar estupro de vulnerável não precisa haver penetração. Depois que o fato começou a ser divulgado, estranhamente, depoimentos de conselheiros sobre o caso foram abrandados. O depoimento do menino, ocorrido dois dias depois, também pode não condizer com a realidade. Era para no domingo mesmo esses depoimentos terem sido colhidos pela autoridade policial", critica Nunes.
O presidente da OAB Piauí informou que as comissões investigam também se adolescentes estão com livre acesso às unidades prisionais para manterem relacionamentos com presos. "Vamos denunciar a omissão do Estado não só neste caso do menino, mas mostrar o absurdo que isso é comum nas unidades prisionais de manter a presença de crianças e adolescentes sem autorização judicial. Não é a primeira vez que ele e irmãos estiveram no presídio irregularmente", destaca Veloso.
Ele afirma ainda que o sistema prisional do Estado sofre com o descaso do governo sem investimentos de novas unidades prisionais, reformas nos antigos presídios e contratação de pessoal. "Se uma criança pode entrar e sair sem controle, o apenado pode também sair e voltar sem que sequer a segurança da unidade prisional tenha conhecimento."
Menino e irmãos estão em abrigo
Nesta quarta-feira (4), a juíza da Infância e Adolescência de Teresina Maria Luiza de Moura Mello e Freitas, acatou pedido de medida protetiva para acolhimento dos quatro irmãos, que têm de 8 a 13 anos, em abrigo longe dos pais porque entendeu que eles estão em situação de risco e vulnerabilidade. A transferência dos irmãos ocorreu na tarde de quarta-feira. O local que eles estão abrigados não foi informado para manter a privacidade.
Os pais serão citados para se defender e têm o prazo de 15 dias para se pronunciarem. As equipes do Tribunal de Justiça do Piauí e do Ministério Público Estadual vão analisar a situação com dados investigativos durante 30 dias e entregar um parecer à Justiça. Enquanto isso, os quatro irmãos permanecerão no abrigo e poderão receber visitas dos pais monitoradas e no horário estipulado pelo abrigo.
O delegado Jarbas Lima, que investiga o caso, disse em entrevista ao UOL que as investigações policiais continuam para descobrir se houve abuso cometido contra o menino. Novos depoimentos de testemunhas estão sendo esperados nesta semana para conclusão do inquérito. "Serão ouvidos outros presos que estavam próximos e outros agentes penitenciários, além de uma irmã do menino", disse o delegado.
A polícia tem 30 dias para remeter o caso ao Ministério Público Estadual, que analisará o teor da denúncia, para, caso haja embasamento, enviar o caso para a Justiça.
O casal pode ser enquadrado no artigo 232 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que é submeter a criança a vexame, e no 133 do Código Penal Brasileiro, por abandono de incapaz. Em caso de condenação, a pena para quem infringir o artigo 232 do ECA é de seis meses a dois anos de reclusão. Já para o artigo 133, a pena é de até três anos de prisão.
Se for comprovado o abuso sexual do preso por meio de oferta recebida pelos pais por exposição do adolescente à prostituição, eles também vão ser enquadrados do artigo 244-A do ECA, que trata sobre recebimento de qualquer vantagem para criança ou adolescente se submeter à prostituição ou exploração sexual. A pena para este crime é de quatro a dez anos de reclusão, além de pagamento de multa.