Com "higiene hospitalar", turismo do Nordeste reabre sob críticas e medo popular
Depois de amargar um período de fechamento durante a pandemia do novo coronavírus, a indústria do turismo no Nordeste começa a dar os primeiros passos para retomar as atividades. Com flexibilizações e reaberturas econômicas em alguns estados, hotéis e pousadas começaram a reabrir as portas ou anunciaram as datas previstas para o recomeço.
O desafio, porém, não é simples. Além dos prejuízos que levaram empreendimentos a fechar as portas, a reabertura —mesmo com rígidos protocolos de segurança sanitária inspirados em hospitais —é vista com desconfiança por parte da população e tem sido alvo de críticas de especialistas em saúde.
Mas, com aval dos governos locais, tudo indica que julho marcará um reinício —mesmo que tímido— do turismo na região. Um dos primeiros locais a apostar nisso foi Porto de Galinhas, no município de Ipojuca (PE), que teve hotéis retomando atividades na sexta-feira.
Ceará
O Ceará também espera o retorno dos turistas em breve. O Beach Park, por exemplo, anunciou que reabre dia 20 de julho com entrada limitada e rígido protocolo sanitário. A ideia é que até dezembro o local volte a operar na totalidade.
Rio Grande do Norte
Outro paraíso do turismo na região, Tibau do Sul (RN), onde fica a famosa praia de Pipa, tem reabertura prevista para 1º de julho. Entretanto, ainda não se sabe se o plano será concretizado porque o estado estendeu decreto de isolamento social devido ao baixo índice de isolamento e a taxa de quase 100% de ocupação de leitos hospitalares.
"O estado pretendia reabrir, com todo um planejamento, mas não sei se de fato conseguiremos. Saberemos somente na próxima semana. Mas se não houver mudança, reabrimos a partir de 1º de julho, em uma escala gradual que deve ser concluída lá para o início de agosto", explica José Odécio, presidente da ABIH (Associação Brasileira da Indústria Hoteleira) no Rio Grande do Norte.
Alagoas
Em Alagoas, o governo anunciou na sexta que vai fazer um plano de recuperação junto com hotéis, bares, restaurantes, guias e transportadores para garantir a segurança sanitária.
"Fui informado pelas empresas aéreas que a malha volta [em julho] a ser gradativamente restabelecida. Quando isso ocorrer, o estado que vai recuperar o turismo primeiro é Alagoas. Isso ficou demonstrado com as vendas iniciais das maiores operadoras de turismo do país. Estamos muito esperançosos em relação a isso", afirmou o governador Renan Filho (MDB).
Resistência na Bahia
Principal destino turístico do interior da Bahia, Porto Seguro autorizou o reinício das atividades turísticas em 15 de julho, com os estabelecimentos operando com 50% da capacidade, 70% em agosto e 100% a partir de outubro.
A cidade depende economicamente do turismo —a rede hoteleira tem 50 mil leitos. A volta comemorada pelo trade causa receio, em especial a distritos que são considerados paraísos naturais. É o caso de Caraíva.
No último dia 17 foi confirmado o primeiro caso na região, em Itaporanga. Dois dias depois, outro caso foi diagnosticado em Nova Caraíva —que fica ao lado de Caraíva, dividido apenas por um rio.
"Aqui é uma vila muito frágil: nós temos índios, idosos e crianças. Além de frágil, é desassistida", comenta o empresário Agricio Ribeiro.
Ele conta que sempre foi uma voz atuante para que a abertura das atividades no local ocorra somente quando houver toda segurança. "Foram feitas reuniões com as associações, que assinaram uma carta dizendo que abririam apenas 30 dias depois Porto Seguro reabrir, contanto que nenhum caso chegasse até aqui. Como chegou aqui em Nova Caraíva, a gente quer tentar evitar turista, por enquanto", diz.
Ribeiro diz que o grupo já se articulou para que a comunidade siga fechada ao turismo por mais tempo. "Acreditamos que o pico da doença não chegou ainda. Os leitos de UTI de Porto Seguro estão ocupados para tratar infectados pela covid-19. E os casos estão aumentando com a reabertura do comércio sem antes termos uma estrutura", diz.
Em nota, a prefeitura informou que está tomando uma "série de medidas" nas localidades para conter o avanço do vírus. "O atendimento médico está sendo realizado duas vezes na semana nas Unidades de Saúde da Família, sendo quarta e sexta em Caraíva, segunda e terça em Nova Caraíva e terça a sexta em Itaporanga. As equipes de Vigilância em Saúde e Atenção Básica seguem monitorando todos os pacientes sintomáticos e com síndrome gripal, positivados ou suspeitos."
"Padrão hospitalar"
Primeiro destino consolidado do Nordeste a "convidar" turistas, Porto de Galinhas iniciou sua fase de reabertura de hotéis na sexta-feira (26). A abertura não é uniforme entre os estabelecimentos e deve seguir pelo menos até 1º de setembro.
Segundo a Associação dos Hotéis, eles voltam neste momento com até 50% de ocupação. Para garantir medidas de saúde, foi produzido um manual de boas práticas de atendimento, higiene e segurança, em parceria com o Real Hospital Português e o Departamento de Hotelaria e Turismo da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
O protocolo segue o modelo de higienização das áreas hospitalares. "Esses protocolos são muito rigorosos e foram ainda mais intensificados durante a pandemia da covid-19. Sem dúvida, os hotéis podem e devem aprender as técnicas seguras de desinfecção e adaptá-las para demanda do mercado hoteleiro", diz Carla Guerra, coordenadora de Higienização e Resíduos do Real Hospital Português e que participou da confecção do protocolo para Porto de Galinhas. "Acredito que outras cidades do Nordeste devem seguir o mesmo caminho."
Para Viviane Salazar, vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Hotelaria e Turismo da UFPE e coordenadora do protocolo, é preciso levar em conta que o turismo é uma atividade de alto contato.
Ela acredita que a decisão de reabrir com segurança será sempre do poder público, e que a partir da autorização, o fundamental é assegurar o distanciamento e tomar as medidas de higiene. "Criar barreiras físicas, como placas de acrílico; fazer marcações no piso para manter os distanciamentos das filas e ter distanciamento entre mesas nos restaurantes são alguns exemplos. Tudo está sendo reformulado", afirma.
Salazar explica que o ponto agora é garantir que esses procedimentos sejam cumpridos. "O treinamento é importante também, assim como a comunicação em equipe. Não adianta ter os melhores produtos se os procedimentos não forem executados da maneira correta", lembra.
Riscos são grandes, diz especialista
Apesar dos protocolos rígidos para reabertura, o diretor do LIKA (Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami) da UFPE, José Luiz de Lima Filho, acredita que o momento da reabertura é questionável. Para ele, os indicadores demonstram "um risco muito grande" de se convidar turistas e reiniciar atividades nesse momento.
"Somente quando os indicadores no Grande Recife —incluindo a região metropolitana— estiver com taxa de retransmissão em torno de 0,7, e que façamos testes 'PCR' para que possamos rastrear os possíveis casos, poderemos fazer um programa de abertura muito lenta. E temos de ter leitos de UTI disponíveis, em um mínimo 30%. Com isso, poderia abrir com distância e com controle de higiene", diz.
Uma preocupação levantada por ele é a presença de turistas de áreas onde a epidemia está enfrentando pico. "O turismo de Porto, por exemplo, é do Sudeste-Sul, e fortemente receptor de São Paulo ou do exterior. São Paulo está numa situação muito difícil, e do exterior ninguém vem. Então acho que eles terão mais prejuízo do que lucro, além do risco sanitário", finaliza.