Onda verde propõe debate sobre aborto em países onde é criminalizado
Onda verde propõe debate sobre aborto em países onde é criminalizado
A onda verde que promoveu a legalização do aborto na Argentina, na Colômbia e recentemente no México “fortalece” e “amplifica” o debate sobre o assunto na região da América Latina e do Caribe, mesmo em países como El Salvador, onde existem leis restritivas e processos de criminalização, dizem organizações feministas consultadas pela Télam, no âmbito do Dia Global de Ação pelo acesso ao Aborto Legal e Seguro, comemorado nesta quinta-feira (28). O nome onda verde refere-se aos lenços verdes (pañuelos verdes) usados por ativistas favoráveis à legalização do aborto.
"Regionalmente estamos em um momento politicamente complexo e polarizado, em que temos avanços significativos nos direitos das mulheres em determinados países, mas também um avanço preocupante da extrema-direita, com ideias políticas contrárias aos direitos humanos e, evidentemente, ao acesso ao aborto legal e seguro", explicou Isabel Fulda, vice-diretora do Grupo de Informação sobre Reprodução Escolhida (GIRE), à Télam, a partir da capital mexicana.
Para a ativista, analisar o impacto que a recente decisão do México poderá ter em outros países da região é “difícil”, mas “a onda verde é um movimento poderoso, com um efeito, pelo menos em termos de movimento social e cultural, que transcende os contextos nacionais”.
“É por isso que espero que o que aconteceu no México, na Argentina e na Colômbia possa ajudar a impulsionar um pouco as restrições e o conservadorismo na América Central”, disse ele.
Descriminalização no México
Fulda considerou “muito importante” a decisão do Supremo Tribunal de Justiça do México, em 6 de setembro, que estabeleceu que todas as mulheres podem ter acesso à interrupção voluntária da gravidez (IVE) sem serem criminalizadas, nem os profissionais de saúde que a realizam, revogando os artigos do Código Penal Federal que puniam com prisão as mulheres que abortassem no país.
Quase quatro semanas após conseguir a legalização do aborto, Fulda destacou que não houve grandes alterações legislativas, uma vez que o Tribunal ainda não publicou a decisão completa, embora o Congresso tenha até 15 de dezembro para tornar a decisão efetiva.
Entretanto, aqueles que se manifestaram foram grupos conservadores como o Episcopado Mexicano, que representa a hierarquia da Igreja Católica no país.
“Para além da sua posição política sobre o assunto, que é obviamente contrária, expressaram uma interpretação da decisão que não é correta”, uma vez que os efeitos da resolução foram apenas para as pessoas representadas pelo GIRE – já que foi esta ONG que apresentou a proteção contra o Congresso e pela qual foi decretada a decisão – e a decisão foi “declarar inconstitucional o crime de aborto em nível federal”, esclareceu Fulda.
Na mesma linha, Ruth Zurbriggen, membro da Red Compañera, uma organização latino-americana de acompanhantes de pessoas que querem ou precisam de um aborto, concordou que a situação do aborto na América Latina e no Caribe “não é homogênea”, pois há países com leis muito restritivas e países onde avançaram nos processos de legalização.
No entanto, em conversa com a Télam, Ruth explicou que há um impacto do processo da onda verde em todos os países da região, mesmo naqueles com maior criminalização.
"Os efeitos sociais e culturais da expansão dos direitos em outros lugares fortalecem, amplificam e acaba por melhorar os litígios nos países onde a criminalização está na ordem do dia".
Interrupção voluntária de gestação
Segundo a ONG americana Center for Reproductive Rights, os países da região da América Latina e Caribe onde a interrupção da gestação foi descriminalizada e permitida até certo ponto da gravidez são Colômbia (2022), Argentina (2020), Uruguai (2012), Porto Rico (1976), Guiana Francesa (1975) e Cuba (1968).
Outros países como Bolívia, Equador, Brasil, Peru, Venezuela, Guatemala e Paraguai só permitem o aborto em casos e condições específicas, como risco de vida da gestante ou se for gravidez resultante de estupro.
Por outro lado, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Haiti, República Dominicana, Jamaica e Suriname mantêm uma proibição total do acesso ao aborto.
Sobre isso, o presidente salvadorenho Nayib Bukele declarou que o aborto parecia um “genocídio” para ele. A fala foi durante uma entrevista no Instagram, em março de 2020, com o rapper porto-riquenho Residente.
"A proibição do aborto no país tem implicações para a saúde e a vida das mulheres. Por exemplo, em gestações ectópicas (quando o óvulo fertilizado está fora do útero), os médicos têm que esperar até que não haja frequência fetal, então ocorre sangramento e algumas mulheres morrem", explicou a presidente do Grupo de Cidadãos pela descriminalização do aborto, Morena Herrera, de San Salvador, capital do país.
Além disso, Morena afirma que levar adiante uma gravidez indesejada fez do suicídio a primeira causa indireta de morte materna em mulheres adolescentes em seu país.
Entretanto, embora não existam estatísticas oficiais sobre o problema, a defensora dos direitos sexuais e reprodutivos disse estima que no ano passado houve cerca de 6 mil mulheres hospitalizadas após terem feito um aborto.
“Há mulheres que foram presas e condenadas por homicídio agravado por vínculo parental – a vítima é o filho – com penas até 50 anos de prisão”.
Neste sentido, a aprovação da descriminalização do aborto no México “tem um impacto positivo em El Salvador e no resto da região”, embora “não seja imediato”, disse à Télam, referindo-se ao fato de que no país há uma disputa com pessoas antidireitos que “têm alianças com o presidente e outros líderes”, por isso “levar a questão do aborto às ruas é um desafio”.
Morena deu como exemplo o caso de Beatriz, a jovem salvadorenha que morreu em consequência de um aborto, que foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
“Sabemos que o tribunal está sendo pressionado para não emitir uma decisão que diga claramente ao Estado de El Salvador que deve mudar a legislação e as políticas”, concluiu.
Para Zurbriggen, os desafios da região são não regredir no que foi alcançado porque “a decisão de abortar não pode ser considerada um crime” e “os antidireitos e antifeministas terão dificuldade em reverter tudo”.
O dia 28 de setembro foi declarado o Dia de Ação Global para Aceso ao Aborto Legal e Seguro, no âmbito do V Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho realizado na Argentina em 1990, para legalizar esta prática e assim evitar a morte de muitas mulheres.