Arapiraca é berço da diversidade cultural de Alagoas
Variedade de talentos em diferentes campos das Artes
Para lá e para cá. É assim que a gravidade acaba agindo em um berço. É assim que, de tempos em tempos, Arapiraca chacoalha o cenário cultural em Alagoas.
Isso é fruto de um matrimônio entre geografia e sentimento. E a união plena entre essas duas coisas fizeram do município uma cama de campanha. Há lugar para todo mundo. Até para quem não é natural da cidade.
O folclorista, escultor, historiador, professor de Letras, fundador da atual Academia Arapiraquense de Letras e Artes (Acala) e Patrimônio Vivo da Cultura de Alagoas, Zezito Guedes, nasceu em Juru, na Paraíba, por exemplo. É dele uma expressão usada comumente de que “Arapiraca é um celeiro de artistas”.
Dos outros Patrimônios Vivos da Cultura concebidos por aqui, o poeta popular, embolador e cantador de coco de roda, Nelson Rosa, e o ator Teófanes “Palhaço Biribinha” Silveira, apenas o primeiro foi parido na terra de Manoel André. Nelson é nascido e criado no sítio Fernandes, zona rural do município. Já Biribinha, uma das maiores autoridades circenses do Brasil, é de Jequié-BA.
Nascido na zona rural de Arapiraca, Nelson Rosa é uma das maiores referências em coco de roda no estado (Foto: Sesc Sonora Brasil)
Os dois que não são “filhos legítimos” de Arapiraca se consolidaram aqui. E a nossa casa, o nosso lar é onde o coração está. É isso o que sente outro grande: o incentivador cultural Paulo Lourenço da Silva, o Paulo do Bar do Paulo, personagem de trabalhos acadêmicos e documentários.
“Arapiraca tem um potencial incrível – os artistas daqui sempre se renovam com uma força muito grande. E por ser uma cidade muito nova ainda, há inúmeras pessoas que chegaram aqui bem cedo e cresceram junto com ela. Acabaram se tornando de casa. E a casa, em berço. Eu, por exemplo, sou de Palmeira dos Índios, já morei em São Paulo, mas Arapiraca me acolheu como nenhuma outra. Pude participar de uma geração sonhadora, cheia de valores voltados para o bem comum”, diz o empresário aposentado, que era dono de um dos estabelecimentos que mais movimentaram a contracultura local, onde discutiam-se política, religião, filosofia, cinema e, claro, música.
Segundo ele, esta nova geração é que é proveniente das sombras dessa grande árvore. “Ainda assim, gente de fora continua dando sua contribuição e transformando o município num relicário de coisas boas e diversificadas. Essa cidade abraça a todos mesmo”, completa Paulo.
O incentivador cultural Paulo Lourenço levou o olhar crítico para dentro de um ambiente pouco convencional para isso: um bar (Foto: Nide Lins/ Cortesia)
No passo certo
A dançarina Leide Serafim desde 1995 rodopia. Essa vontade ancestral dentro dela se manifestou ainda aos 15 anos de idade. Hoje ela tem 38, com um vigor e uma vontade de dar o próximo passo ainda mais acertado.
“Olodum”, como é também conhecida, é de Maceió. Seu envolvimento com Arapiraca começou na Associação de Moradores do Quilombo Remanescente do Pau d’Arco, zona rural da cidade, onde há mais de oito anos dá aulas para as crianças e adolescentes daquela comunidade de matriz afro.
Ela, por sua vez, participou do primeiro grupo de percussão de Alagoas, o AfroMandela, e também do grupo de dança Sururu de Capote.
Figurou ainda no videoclipe que está prestes a sair da música “Rumos e Rumores”, de Vitor Pirralho, e que tem participação do renomado cantor Ney Matogrosso, ex-Secos e Molhados.
Outra aparição de Leide Serafim é também notabilizada com sua presença corporal e expressiva no clipe de “Memória da Flor”, música do alagoano Júnior Almeida e que tem mais uma vez participação especial de Ney (veja o vídeo aqui). Atualmente, ela está no afoxé Xangô Layó, da ONG Casa de Caridade.
“Essa terra é apaixonante, porque suspira em todas as cores e aromas. Há uma diversidade artística e cultural aqui enorme, provavelmente por conta de o município ser centro, ser ‘o coração’ do estado de Alagoas, geograficamente falando. Já me sinto daqui”, conta ela, que hoje atua como diretora da Casa da Cultura e Biblioteca Municipal Professor Pedro de França Reis, na Praça Luiz Pereira Lima, bairro do Centro.
À frente do local, o ineditismo: este ano, houve a 1ª Viagem ao Mundo da Leitura, focada na literatura infantil, e a Semana da Consciência Indígena. Dois marcos que a nova diretora conseguiu aplicar na nossa história recente, com um espaço para a discussão de temas tão relevantes.
Leide Serafim em sua performance do clipe “Memória da Flor”, em parceria com Júnior Almeida e Ney Matogrosso (Foto: Youtube/ Reprodução)
Fluxo de gente
A Feira de Arapiraca é boa demais. Secular, ela abriga gente de todo canto do estado e até de fora. Já foi uma das maiores feiras ao ar livre do Brasil e não só pela variedade de produtos e itens vendáveis, mas, sim, pela cultura inerente àquele ambiente.
Emboladores, cantadores de coco, declamadores, poetas populares, sanfoneiros, repentistas e cordelistas. Toda uma aura formatada para que se criasse saberes.
Foi de um lugar assim que Afrísio Acácio saiu. O mestre do acordeon, homenageado este ano no “São João: Arapiraca Virou Xodó”, conduz um projeto chamado Cultura na Praça há mais de cinco anos, levando o resgate das nossas tradições nordestinas a todos que passam pelo Centro da cidade às segundas-feiras.
Outra figura importante que andava pela nossa tradicional feira livre era o doutor em Música e “bruxo” Hermeto Pascoal, considerado um dos jazzistas mais influentes e experimentais de todo o mundo.
Ele nasceu em Lagoa da Canoa, município que à época fazia parte de Arapiraca, e aprendeu a ouvir os sons justamente em meio ao comércio da feira, enquanto a poesia matuta se manifestava na música e na fala.
Recentemente, Hermeto esteve em Arapiraca para a inauguração de um teatro no Sesc com o seu nome – outro teatro, ao lado do Colégio Bom Conselho, também foi aberto há pouco – e, na oportunidade, o “Bruxo” apoiou a iniciativa de jovens artistas locais que estão rumando em busca da música autoral.
O festival Avenida do Futuro, que acontece nesta sexta-feira (15) e sábado (16), tem o aval dele. “Para mirar o futuro, é preciso que se saiba o que se está fazendo no presente. O nome desse evento é maravilhoso, um nome aberto, um nome bem espiritual. A música é universal e tem que se misturar”, aconselha (veja o vídeo aqui).
É justamente essa diversidade que o festival autoral traz, em plenos 200 anos de Emancipação Política de Alagoas: vertentes que pendem para o samba-rock, reggae rural, rock anos 70, nova MPB, soul music, pop rock e pós-grunge psicodélico. Uma riqueza sem precendentes.
“E é isso. Arapiraca é berço por acolher as pessoas, artistas elas ou não, e é berço por ser fonte inesgotável de gente que faz Arte de verdade. Gente que quer produzir e extrair sentimentos no outro”, pontua Janu, um dos envolvidos no Avenida do Futuro.
Vê-se que, nestes 200 anos de Alagoas, os quase 93 anos de Arapiraca representam o alvorecer central de uma nova identidade estética para o estado: essa diversidade genuína. E esta matéria é apenas um naco de toda a estrutura por trás do caule dessa grande árvore agrestina, conclui o arapiraquense Breno Airan, músico, jornalista, agitador cultural e autor do texto.