Com procurador da República, FPI retorna a comunidades quilombolas
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A equipe Comunidades Tradicionais da Fiscalização Preventiva Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco voltou a visitar comunidades quilombolas instaladas no Sertão alagoano. Desta vez, a equipe 10 da FPI do São Francisco esteve, no início da semana, nas cidades de Palestina, Monteirópolis e Pão de Açúcar para buscar mais informações sobre a realidade dos afrodescendentes. O procurador da República Bruno Lamenha também marcou presença e garantiu, pelo Ministério Público Federal (MPF), empenhar-se na resolução de cada problema apresentado.
A primeira comunidade visitada foi a Santa Filomena, na cidade Palestina, onde os quilombolas constituíram uma associação há dois anos. José Genilson é líder quilombola e destacou os avanços já conquistados em consequência da mobilização por parte das 40 famílias lá residentes, apesar da necessidade de se manter firme na busca por melhorias.
“A Prefeitura garante o transporte dos estudantes até a escola mais próxima, distante apenas dois quilômetros da comunidade, mas queremos que ela conclua as obras da escola quilombola localizada na comunidade Chifre do Bode e cuja obra está parada há dois anos”, contou Genilson, referindo-se ao espaço cujo projeto prevê laboratório de informática, quadra de esportes e até uma pequena horta.
Outro benefício garantido por lei é a tarifa social de energia elétrica. Contudo, o consumidor precisa estar incluído no Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais do governo federal, o que ainda não ocorreu aos quilombolas da comunidade Santa Filomena, que também se queixam da dificuldade de acesso à saúde pública. O maior obstáculo, segundo a associação, é a deficiência na oferta de medicamentos.
“Temos uma criança com microcefalia e que não dispõe do tratamento adequado. Além disso, a burocracia é muito grande para se conseguir um simples exame”, reforçou o líder quilombola, lamentando também o fato de o médico – que se deslocava até a comunidade ao menos uma vez por mês – não mais prestar assistência às famílias da Santa Filomena.
Quanto ao abastecimento d’água, o problema é o mesmo que aflige várias comunidades do Sertão alagoano, já que o líquido chega com dificuldade às torneiras. Além disso, não há banheiro e/ou fossa em pelo menos 10 residências, com os resíduos sendo lançados no meio ambiente, em virtude da falta de esgotamento sanitário.
Mirella Cavalcante é técnica da Gerência de Educação Ambiental do Instituto do Meio Ambiente (IMA), que integra a fiscalização. Ela explica que a comunidade pode solicitar ao IMA o suporte que achar necessário para tentar solucionar este e outros problemas, realizando, por exemplo, a coleta da água fornecida àquela população, para posterior análise de sua potabilidade.
Já a segunda comunidade visitada foi a de “Paus Preto”, em Monteirópolis, onde a semelhança entre os problemas salta aos olhos. O cultivo da mandioca foi suspenso devido à estiagem, levando muitos quilombolas a buscarem emprego longe dali, enquanto a Unidade Básica de Saúde, que tem boa estrutura física e dispõe de serviços como ginecologia e odontologia, segue desabastecida e, portanto, subutilizada.
A escola da comunidade, por sua vez, serve a estudantes até o 5º ano do ensino fundamental. Os demais têm de se deslocar por 10 km, no ônibus escolar, até a zona urbana cidade. Eles também contam com um laboratório de informática, que segue fechado e com todos os equipamentos ainda encaixotados.
Na reunião, houve também quem relatasse casos de discriminação envolvendo uma funcionária da mesma unidade de ensino, sugerindo a sua substituição por um professor daquela comunidade. A reivindicação, inclusive, foi vista com bons olhos pelo supervisor de articulação política para direitos humanos e promoção da igualdade racial, da Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos, Jordi Santana, que vai requerer à Prefeitura o estudo de tal possibilidade.
Com mais de 1,3 mil habitantes, a comunidade é abastecida por meio de um poço. Porém, é a Operação Carro-Pipa quem ameniza o sofrimento dos quilombolas enquanto o governo estadual não conclui uma nova adutora na região.
Na mesma visita, a equipe da FPI voltou a se deparar com o descarte inadequado de águas cinzas, usadas no banho e para lavar louça, por exemplo. “Vamos provocar a Prefeitura local para que busque uma solução. Afinal, esta água pode, inclusive, ser reaproveitada”, explicou a técnica do IMA, que, em caso de parceria com o Município, pode ofertar o auxílio necessário à execução do projeto pretendido.
Outra comunidade visitada foi a Chifre do Bode, em Pão de Açúcar, onde a fiscalização visitou a obra da escola que se encontra paralisada desde junho de 2016, data prevista para a entrega da unidade de ensino orçada em R$ 813 mil, fruto de recurso federal. O prédio com quatro salas de aula já deveria estar à disposição das 86 famílias quilombolas.
Regularização
Para a regularização de territórios quilombolas, as comunidades devem encaminhar uma declaração, na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo, à Fundação Cultural Palmares, que expede uma certidão de auto reconhecimento. A certidão é o ponto de partida para o processo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que tem competência para fazer a titulação.
O processo acaba com a concessão do título de propriedade à comunidade, com posse coletiva – ao mesmo tempo, por várias pessoas e em nome da associação dos moradores da área – e título registrado no cartório de imóveis, sem qualquer despesa financeira.
JACARÉ DOS HOMENS OU PÃO DE AÇÚCAR?
Quem também se queixa da falta de uma escola é a comunidade Porção, que reúne 42 famílias. O quilombola e professor Tavane Fontes diz que uma confusão territorial vem prejudicando a busca por políticas públicas. Tudo porque, segundo o Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), Porção foi certificada, ainda em 2010, como comunidade quilombola pertencente a Jacaré dos Homens, apesar de o município de Pão de Açúcar, agora, reivindicar a comunidade quase bicentenária.
Tal indefinição foi tema do encontro entre os quilombolas e a equipe da FPI, quando o procurador Bruno Lamenha orientou que a questão seja submetida à consulta interna pela própria comunidade, a fim de que o MPF, posteriormente, possa avaliar a possibilidade de mediação junto aos gestores, visando à resolução do problema. Territorialmente, Porção pertence a Pão de Açúcar, apesar de todos os quilombolas serem assistidos pelo município vizinho.
“Se optarmos por Pão de Açúcar, quem aqui reside vai aumentar em vinte quilômetros a distância para o posto de saúde mais próximo”, afirmou Tavane, acrescentando que a mudança seria inviável para uma comunidade que, de tão carente, recebe cestas básicas por meio de programa do Ministério do Desenvolvimento Social – executado em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Já um quilombola presente à reunião e que preferiu não se identificar disse prever melhorias com a possível mudança. “É verdade que Pão de Açúcar nunca fez nada pela comunidade, mas sempre levamos um ‘não’ quando pedimos algo em Jacaré [dos Homens]. Além disso, só não temos um posto de saúde porque a Prefeitura de Jacaré está impedida de buscar recursos federais para o Porção, que, territorialmente, não lhe pertence”, alegou o quilombola, afirmando que a disputa pela comunidade “tem seu viés político”.
Com a palavra, o procurador da República ressaltou, no entanto, que a comunidade precisa, antes de tudo, organizar-se enquanto associação quilombola. Já o técnico do Ministério Público Federal (MPF) e coordenador da equipe Comunidades Tradicionais da FPI, Sérgio Mendes, destacou que, seja qual for a escolha, o Município responsável terá de prestar a mesma assistência, como estabelece a Constituição Federal de 1988. “Tudo aquilo que os divide acaba enfraquecendo a comunidade. Parece até que a Prefeitura de Jacaré faz um favor, quando tudo não passa de um dever constitucional. Afinal, vocês são quilombolas e necessitam das benfeitorias de quem quer que seja”, comentou.
COMUNIDADE DE TERREIRO
Por fim, a FPI também visitou o Centro Espírita Santa Bárbara, considerado uma comunidade de terreiro conforme o Decreto número 6.040/2007. Localizada no bairro Domingos Acácio, em Santana do Ipanema, a comunidade desenvolve importante trabalho social mesmo sem contar com apoio do poder público, a exemplo do projeto Girassol, composto por 10 crianças e adolescentes que recebem aulas de música e oficinas de artesanato. Segundo a yalorixá Cristina, uma das exigências é o bom rendimento escolar.
“A gente conseguiu os instrumentos após vencer o prêmio Xangô Rezado Alto, da Uneal [Universidade Estadual de Alagoas]. A gente também distribuía sopa para as pessoas carentes da comunidade, mas deixamos de ajudá-las por falta de apoio. Conseguimos, inclusive, trazer o programa Educação de Jovens e Adultos (EJA) para o terreiro, mas, tempos depois, ele foi transferido para uma escola de Santana”, afirmou a responsável pela comunidade que, apesar das benfeitorias, ainda não foi cadastrada como casa tradicional de matriz africana no CadÚnico, o que o impede de ser assistido com programas sociais do governo.
“Estamos aqui justamente para fornecer essa orientação, trabalhando para preservar a cultura negra e, com isso, a história do povo brasileiro”, destacou o procurador Bruno Lamenha, que parabenizou a iniciativa da comunidade de terreiro que é parceira do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), com quem, após projeto de extensão, arrecadou 1 tonelada de alimentos já distribuídos a famílias necessitadas.
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