Mulher trans relata como é viver em meio à violência, falta de oportunidades e transfobia
Jady Franciele dos Santos, de 39 anos trabalha como profissional do sexo desde os 17 para sobreviver
Dia 29 de Janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. É uma data para reivindicações de direitos, de reflexão e não de comemoração. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais,(ANTRA) foram registrados 175 assassinatos de transexuais no Brasil em 2020.
Além disso, o país se manteve pelo 13° ano consecutivo como o país que mais mata travestis e transexuais, segundo o levantamento da ONG Transgender Europe.
Vale ressaltar que os dados de 2021 em comparação ao ano de 2020 não representa a diminuição da violência, visto que muitos casos não são notificados.
Dia da Visibilidade
A data foi criada em 2004, ano em que um grupo de travestis e transexuais foram até o Congresso Nacional em Brasília, a partir de uma campanha do Ministério da Saúde intitulada " Travesti e Respeito" que tinha por objetivo conscientizar a população acerca da sigla 'T' pertencente a comunidade LGBTQIA+ e que representa os transexuais travestis e transgêneros.
Foto: Bandeira Trans (Nito 100/Getty Images)
A campanha tinha o objetivo de promover o respeito e a cidadania para a comunidade trans e neste dia foi instaurado o Dia Oficial da Visibilidade Trans e Travesti no Brasil, sendo este o primeiro ato Nacional em defesa da comunidade.
Em um país de violência e transfobia, pessoas trans ainda sofrem com a falta de oportunidades de emprego e de espaço no mercado de trabalho.
De acordo com os dados do ano de 2020 da Antra, apenas 4% da população se encontra em empregos formais, 6% possuem emprego informal e 90% utilizam a prostituição como fonte de renda primária para sobrevivência.
Ainda segundo a Antra, a expectativa de vida de pessoas trans e travestis no Brasil é de 35 anos.
Jady Franciele dos Santos, de 39 anos, mora em Maceió, e relatou como é ser mulher trans, em um estado que no ano de 2020 ocupou o 3°lugar da região Nordeste no ranking dos que mais mata travestis e pessoas trans, segundo o Dossiê da ANTRA. Na colocação nacional, Alagoas ficou na 6° posição.
"Ser uma mulher trans em Alagoas é uma sobrevivência, onde não só eu, como a maioria sobrevive todos os dias ao preconceito e discriminação. Há uma exclusão social. A gente sofre todo dia a rejeição. É difícil pra gente sobreviver, mas nós lutamos todos os dias por melhorias e oportunidades".
Ao contrário da maioria dos casos em que pessoas LGBTQIA + sofrem preconceito e rejeição por parte da própria família, Jade relata que é através da sua família que recebe o acolhimento e força. Ela tem uma irmã e um irmão trans:
"Graças a Deus, na minha família eu não sofri nenhum tipo de preconceito. São pessoas bem relacionadas, bem aceitas. Minha mãe é uma pessoa que me ama. Na minha casa são três pessoas trans. Duas mulheres e um homem trans. Tentamos nos fortalecer e nos unir cada vez mais".
Jade ainda conta sobre a falta de oportunidades de emprego, e relatou sobre um episódio de transfobia que aconteceu com ela durante uma entrevista para uma vaga de trabalho
“Eu já sofri muita transfobia. Quando eu fui para uma entrevista, o entrevistador falou para mim que não era esse tipo de pessoa que queria no estabelecimento dele. É muito triste porque a gente vive como se fosse uma pessoa inútil e não podemos fazer nada”. Mas eu não desisto. Vou em frente não só por mim. Eu quero motivar outras meninas.Quem não quer uma oportunidade de sair do mundo da prostituição, do mundo da violência?"
Ela trabalha como profissional do sexo desde os 17 anos e ressaltou o medo e a violência nas ruas:
"Em Maceió, todo ano aumenta a criminalidade, onde muitas de nós foram assassinadas. Eu perdi amigas próximas por assassinatos que não temos respostas, não dão importância. Preconceito nas ruas, nos lugares… Nos sentimos vulneráveis, não temos nenhum tipo de apoio. Nós travestis e transexuais em Alagoas somos sobreviventes. Eu gostaria que um dia essa realidade mudasse”, continuou.
O dossiê da Antra do ano de 2021 ainda traz um dado preocupante: 81% dos assassinatos foram de travestis e mulheres trans negras. Os dados apontam que 78% dos crimes foram contra mulheres trans e travestis que trabalham como profissionais do sexo.
Ainda sobre o assunto, o secretário-geral do Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego (CAERR), Carlos Eduardo Vicente de Lima, destacou que é preciso que a sociedade entenda a importância acerca da diversidade, além disso reafirmou que os direitos de pessoas trans devem ser garantidos.
“Este momento deve ser visto como a reafirmação da luta das pessoas trans pela existência e até mesmo reconhecimento, luta essa que permeia todos os aspectos da vida social e que, geralmente, é invisibilizada por ser vista como uma anomalia, como sugere descabidamente a sociedade", disse Carlos Eduardo.
"Para que possamos resguardar ainda mais os direitos fundamentais dessa população que é inferiorizada, maltratada e até morta todos os dias, precisamos disseminar informações assertivas acerca da diversidade e com elas à disposição, compreender e explicitar que a transsexualidade é tão antiga quanto à cisgeneridade. Não podemos esquecer que a luta citada tem elementos retroativos que culminaram e culminarão na garantida e efetivação de direitos essenciais, visto que, estaticamente, Alagoas é considerado um dos estados mais violentos para esse segmento da população, como aponta o Relatório de 2018 – Mortes violentas de LGBTQIA+ no Brasil, elaborado pelo Grupo Gay da Bahia, O GGB".
O que é a Transfobia?
A transfobia é conjunto de ações negativas e atos de discriminação e preconceitos contra pessoas trans. A homofobia e a transfobia são crimes. A decisão foi somente aprovada em 2019 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a pena pode ser de 3 a 5 anos de prisão.
Entenda os termos
Cis: são pessoas que se identificam com o gênero designado no nascimento.
Trans: São pessoas que não se identificam com o gênero designado no nascimento.
Travestis: Se identificam no campo feminino e devem ser tratadas sempre no feminino.
Transgênero: É um termo guarda-chuva para representar a diversidade trans e pessoas de identidades divergentes.Estão inseridos: homens trans, mulheres trans, travestis e pessoas não binárias, ou seja, aquelas que não se percebem em um gênero exclusivamente, ou seja, sua identidade não são limitadas nos conceitos masculino e feminino.
Algumas conquistas para a comunidade Trans:
Direito ao uso do nome social, direito a cirurgia de redesignação sexual no Sistema Único de Saúde (SUS),direito a requalificação civil, criminalização da transfobia e atualmente a participação de uma cantora e atriz travesti, a Linn da Quebrada, em um reality show mais assistido do país, o Big Brother Brasil (BBB).
Vale ressaltar que estas conquistas, ainda não são suficientes, visto que a violência, a invisibilidade e discriminação faz parte diariamente da vida de pessoas trans. Além disso os diretos básicos não são plenamente garantidos. A luta destas pessoas é sobre o direito de existir e para, além disto, de ter dignidade.